Thursday, September 24, 2020

A pedagogia do oprimido e o pensamento revolucionário de Paulo Freire, Parte 2

 

No capítulo 2, onde Freire disserta sobre o que ele chama de educação bancária, ele desenvolve a crítica daquilo que ele vê como o modelo de educação tradicional, sobre o qual já tecemos algumas considerações. Trata-se do contraste entre o ensino convencional e a pedagogia do oprimido, a qual alega ver no educando o próprio construtor do seu saber.

Embora tais proposições possuam um inegável apelo estético, já vimos que Freire relativiza seus padrões de autonomia da pedagogia do oprimido em prol de uma plataforma onde ele pretende conseguir a adesão dos educandos, no caso, a plataforma socialista. No caso, seu livro deixa evidente que a alfabetização não é um fim em si mesmo, da qual o aluno poderia valer-se para raciocinar sobre Smith e Ricardo, sobre Marx e Bakunin. Por mais que Freire insista numa suposta autonomia do aluno, a pedagogia do oprimido vai inegavelmente condicionando as conclusões que Freire já estabeleceu de antemão.


Aliás, a pedagogia do oprimido se mostra um livro que guarda muito pouca relação com as matérias de aprendizado escolar. Eis aqui um dos raríssimos casos em que Freire chega a tratar do tema matemática:

Por isto mesmo é que uma das características desta educação dissertadora é a “sonoridade” da palavra e não sua força transformadora. Quatro vezes quatro, dezesseis; Pará, capital Belém, que o educando fixa, memoriza, repete, sem perceber o que realmente significa quatro vezes quatro. O que verdadeiramente significa capital, na afirmação, Pará, capital Belém.

Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também. Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.

O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem.

Os educandos, alienados, por sua vez, à maneira do escravo na dialética hegeliana, reconhecem em sua ignorância a razão da existência do educador, mas não chegam, nem sequer ao modo do escravo naquela dialética, a descobrir-se educadores do educador.

Na verdade, como mais adiante discutiremos, a razão de ser da educação libertadora está no seu impulso inicial conciliador. Daí que tal forma de educação implique na superação da contradição educador-educandos, de tal maneira que se façam ambos, simultaneamente, educadores e educandos.

 

Ou seja, mesmo quando realmente traz para o texto uma sentença matemática, Freire tenta apresentar o educador como um Sócrates que vai, através da dialéctica com os educandos, destilar a sabedoria diretamente extraída de uma dimensão quase platônica. Se os alunos efetivamente poderão saber se quatro caixas com quatro pacotes de arroz cada resultarão em dezesseis pacotes de arroz... bem, isso parece menos importante do que fazer o aluno atentar para as chamadas contradições hegelianas.

Mais adiante ele acrescenta:

Seu trabalho será, também, o de imitar o mundo. O de ordenar o que já se faz espontaneamente. O de “encher” os educandos de conteúdos. É o de fazer depósitos de

“comunicados” – falso saber – que ele considera como verdadeiro saber{41}.

Esta é uma concepção que, implicando numa prática, somente pode interessar aos opressores que estarão tão mais em paz, quanto mais adequados estejam os homens ao mundo. E tão mais preocupados, quanto mais questionando o mundo estejam os homens.

A ambição de PF é educar os homens para que questionem o mundo. Uma pretensão que em tese pareceria louvável. Mas quereria Freire que os homens se questionassem quanto a ser o arranjo atual mais benéfico do que o arranjo idealizado por Marx? De nossa leitura, extraímos que Freire facilmente relativizaria sua pretensão de autonomia do educando para aplicar uma correção de curso em seu roteiro educacional.

E se alguém não está convencido da prolixidade irremediável das divagações a la bailarina de Paulo Freire, talvez o trecho a seguir traga uma nova luz:

Neste sentido, a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária”, mas um ato cognoscente. Como situação gnosiológica, em que o objeto cognoscível, em lugar de ser o término do ato cognoscente de um sujeito, é o mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de outro, a educação problematizadora coloca, desde logo, a exigência da superação da contradição educador-educandos. Sem esta, não é possível a relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível.

Quantos rodopios retóricos Paulo Freire é capaz de apresentar em um único parágrafo? Ele certamente é mestre nesta arte.

 

Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada.

A nós parece evidente que a ânsia freireana pela escrita poética deveria tê-lo conduzido ao mundo das artes antes de tentar transcender a pedagogia em termos shakespearianos.

 

Ninguém pode ser, autenticamente, proibido que os outros sejam. Esta é uma exigência radical. O ser mais que se busque no individualismo conduz ao ter mais egoísta, forma de ser menos. De desumanização. Não que não seja fundamental – repitamos – ter para ser. Precisamente porque é, não pode o ter de alguns converter-se na obstaculização ao ter dos demais, robustecendo o poder dos primeiros, com o qual esmagam os segundos, na sua escassez de poder.

E aqui, mais um dos casos onde Freire pretende estar a emular um Sócrates:

 

Daí que, para esta concepção como prática da liberdade, a sua dialogicidade comece, não quando o educador-educando se encontra com os educandos-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes. Esta inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo programático da educação.

 

Há por toda a extensão de sua obra uma infinidade de casos como estes, mas para fins de um texto de divulgação, parece que já bastam tais exemplos.

Vamos direcionar a conclusão do nosso artigo para o que julgamos ser o ponto nevrálgico da obra de Freire, qual seja, o fato de ser uma obra sobre um programa socialista revolucionário, e não um compêndio sobre alfabetização como costumeiramente se pretende.

Comecemos com o seguinte parágrafo:

Será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da situação ou da ação política, acrescentemos.

O que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no risível intelectual, mas no nível da ação.{62}

Creio que tais linhas sejam auto-explicativas.

Aliás, perdoem-me, mas não resistir a trazer mais um trecho do Sócrates emulado:

 

Daí em diante, este ser, que desta forma atua e que, necessariamente, é um ser consciência de si, um ser “para si”, não poderia ser, se não estivesse sendo, no mundo com o qual está, como também este mundo não existiria, se este ser não existisse.

Muitas vezes já foi dito que o método Paulo Freire nunca foi aplicado. Isso tem um fundo de verdade, mas pelo simples fato de que não há de fato uma pedagogia freireana. Veja-se o seguinte trecho:

Assim como não é possível – o que salientamos no início deste capítulo – elaborar um programa a ser doado ao povo, também não o é elaborar roteiros de pesquisa do universo temático a partir de pontos prefixados pelos investigadores que se julgam a si mesmos os sujeitos exclusivos da investigação.

Como dissemos, não há propriamente algo que se possa chamar um pedagogia Paulo Freire. Na realidade, se um educador se propuser a aplicar estritamente o que fora apresentado por Freire, então o educador se sentará em uma roda com certo número de adultos analfabetos e proporá discussões a partir do noticiário, ou pegando o gancho em algum tópico da comunidade para abordar questões de cunho político e econômico. Nada disso porém resultará em que os participantes saiam do encontro mais versados em álgebra, em gramática ou leitura.


Como fazer, porém, no caso em que não se possa dispor dos recursos para esta prévia investigação temática, nos termos analisados?

Com um mínimo de conhecimento da realidade, podem os educadores escolher alguns temas básicos que funcionariam como “codificações de investigação”. Começariam assim o plano com temas introdutórios ao mesmo tempo em que iniciariam a investigação temática para o desdobramento do programa, a partir destes temas.

Um deles, que nos parece, como já dissemos, um tema central, indispensável, é o do conceito antropológico de cultura.

na hipótese agora referida, podem os educadores, depois de alguns dias de relações horizontais com os participantes do “círculo de cultura”, perguntar-lhes diretamente:

“Que outros temas ou assuntos poderíamos discutir além deste?”

Na medida em que forem respondendo, logo depois de anotar a resposta, a propõem ao grupo com um problema também.

Admitamos que um dos membros do grupo diz: “Gostaria de discutir sobre o nacionalismo”. “Muito bem, (diria o educador, após registrar a sugestão e acrescentaria): “Que significa nacionalismo? Por que pode interessar-nos a discussão sobre o nacionalismo?” Capítulo 3.

Não há como escapar ao fato de que para Freire, a devida colocação dos pronomes, dos adjetivos e dos verbos sai de cena para dar lugar à formação do pensamento revolucionário. Para ele, importa menos que o aluno possa ler sobre os doze trabalhos de Hércules e sim que ele possua noções sobre mais-valia.

E não menos importante do que os apontamentos anteriores, uma constatação de fundamental importância é o papel preponderante que tem na obra de Freire figuras como Fidel, Che Guevara, Mao Tsé-Tung e Lenin. 

Como jhá referimos, na obra de Freire são escassas as ocasiões em que ele faz referência expressa ao ensino de matemática, português ou questões rudimentares de aprendizado. Em contrapartida, são inúmeras as menções a Guevara e assemelhados, onde PF chega até a lançar mão de escritos de Guevara sobre o amor que impulsionava a revolução socialista:

 

a riesgo de parecer ridiculo que el verdadero revolucionario es animado por fuertes sentimientos de amor. Es imposible pensar un revolucionário autêntico, sin esta cualidad”. Ernesto Guevara: Obra Revolucionária, México, Ediciones Era-S.A., 1967, pp. 637-38.

E talvez nenhuma outra passagem seja mais reveladora do que a que vem a seguir:

No relato já citado que faz Guevara da luta em Sierra Maestra, relato em que a humildade é uma nota constante, se comprovam estas possibilidades, não apenas em deserções da luta, mas na traição mesma à causa.

Algumas vezes, no seu relato, ao reconhecer a necessidade da punição ao que desertou para manter a coesão e a disciplina do grupo, reconhece também certas razões explicativas da deserção. Uma delas, diremos nós, talvez a mais importante, é a ambigüidade do ser do desertor.

Foi assim, no seu diálogo com as massas camponesas, que sua práxis revolucionária tomou um sentido definitivo. Mas, o que não expressou Guevara, talvez por sua humildade, é que foram exatamente esta humildade e a sua capacidade de amar, que possibilitaram a sua “comunhão” com o povo.

Até no seu estilo inconfundível de narrar os momentos da sua e da experiência dos seus companheiros, de falar de seus encontros com os camponeses “leais e humildes”, numa linguagem às vezes quase evangélica, este homem excepcional revelava uma profunda capacidade de amar e comunicar-se.

 

Neste ponto, creio já ter deixado explicitado tudo o que haveria de mais revelador na obra de Paulo Freire. Porém, apenas para concluir, faço questão de responder a um dos mais frequentes argumentos levantados a favor de sua obra: Por acaso sua fama internacional, seu reconhecimento e sua difusão em universidades no exterior não comprova a relevância da pedagogia de Paulo Freire?

Neste caso, por mais que se costume apontar para um projeto de alfabetização encabeçado por Freire em que ele alfabetizou um grupo de adultos, não há efetivamente nada que conecte a pedagogia do oprimido com esse feito. Aliás, desde os sumérios que adultos aprendem as letras, de modo que ter Freire realizado tal façanha não parece em si mesmo um ato memoráveltão .

No mais, o fato de Freire ser celebrado em nichos como universidades americanas talvez revele mais sobre tais universidades do que sobre a eficiência do método de Freire. 

É notório que os EUA não possuem lá um grande problema de analfabetismo de pessoas adultas, a menos que os revolucionários considerem analfabetos os adultos que não se encontrem em meio à militância socialista. Neste caso pode bem ser que esta seja a razão por que Freire recebe tanta atenção de nomes do alto clero universitário.

 Por outra razão, o que despertaria tanta atenção nas universidades americanas? Já dissemos que os EUA não são exatamente um país que conviva com grandes índices de analfabetismo de adultos, e mesmo que fosse o caso, a obra prima de Freire não traz nenhum ensigt sobre como melhor ensinar uma separação silábica, ou o futuro do pretérito. 

A conclusão é uma só, a de que a pedagogia de Paulo Freire tem muito pouco de pedagogia, e muito de seus anseios revolucionários contra o sistema capitalista.

Saturday, September 19, 2020

A pedagogia do oprimido e o pensamento revolucionário de Paulo Freire, Parte 1

No momento em que escrevo este texto (19 de setembro de 2020) comemora-se o 99º aniversário de nascimento de Paulo Freire, sendo esta data marcada por inúmeras reportagens e manifestações nas redes sociais de apreço e desapreço ao personagem e sua obra.

A controvérsia que cerca Freire é antiga, mas costuma ser revivida de tempos em tempos. E foi numa dessas oportunidades que fiz questão de ler sua principal obra, A pedagogia do oprimido, encarando também na sequência A pedagogia da esperança, considerada como uma continuação do primeiro livro.

Confesso que não é de hoje que pretendi elaborar uma review dessas minhas leituras, mas sempre houve algo que me fazia protelar a escrita: a obra de Freire é qualquer coisa, menos concisa.

Com isso quero dizer que Freire lança-se em voltas intermináveis dentro de uma retórica maçante e excêntrica, a qual ele busca visivelmente infundir de poesia, sacrificando a objetividade no processo.

Se há algo com que Freire poderia ser comparado é com uma bailarina. Quando Freire deve ir de um ponto a para um ponto b, o que ele faz é saltar, rodopiar, quase desmaiar de êxtase e então parece esquecer completamente qual era o assunto discutido, para só então se dar ao luxo de desenhar o ponto final.

Veja-se algumas das suas intermináveis ladainhas:

 

Enquanto tocados pelo medo da liberdade, se negam a apelar a outros e a escutar o apelo que se lhes faça ou que se tenham feito a si mesmos, preferindo a gregarização à convivência autêntica. Preferindo a adaptação em que sua não liberdade os mantém à comunhão criadora, a que a liberdade leva, até mesmo quando ainda somente buscada.

Sofrem uma dualidade que se instala na “interioridade” do seu ser. Descobrem que, não sendo livres, não chegam a ser autenticamente. Querem ser, mas temem ser. São eles e ao mesmo tempo são o outro introjetado neles, como consciência opressora. Sua luta se trava entre serem eles mesmos ou serem duplos. Entre expulsarem ou não ao opressor de “dentro” de si. Entre se desalienarem ou se manterem alienados. Entre seguirem prescrições ou terem opções. Entre serem espectadores ou atores. Entre atuarem ou terem a ilusão de que atuam, na atuação dos opressores. Entre dizerem a palavra ou não terem voz, castrados no seu poder de criar e recriar, no seu poder de transformar o mundo.

Este é o trágico dilema dos oprimidos, que a sua pedagogia tem de enfrentar.

A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela, superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos.

A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se.

Esta superação não pode dar-se, porém, em termos puramente idealistas. Se se faz indispensável aos oprimidas, para a luta por sua libertação, que a realidade concreta de opressão já não seja para eles uma espécie de “mundo fechado” (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual não pudessem sair, mas uma situação que apenas os limita e que eles podem transformar, é fundamental, então, que, ao reconhecerem o limite que a realidade opressora lhes impõe, tenham, neste reconhecimento, o motor de sua ação libertadora. A pedagogia do oprimido, Capítulo 1.

 

Parece-nos muito claro, não apenas neste, mas noutros momentos do ensaio que, ao apresentarmos esta radical exigência – a da transformação objetiva da situação opressora – combatendo um imobilismo subjetivista que transformasse o ter consciência da opressão numa espécie de espera paciente de que um dia a opressão desapareceria por si mesma, não estamos negando o papel da subjetividade na luta pela modificação das estruturas. Capítulo 1.

 

Num pensar dialético, ação e mundo, mundo e ação, estão intimamente solidários. Mas, a ação só é humana quando, mais que um puro fazer, é um que fazer, isto é, quando também não se dicotomiza da reflexão. Esta, necessária à ação, está implícita na exigência que faz Lukács da “explicação às massas de sua própria ação” – como está implícita na finalidade que ele dá a essa explicação – a de “ativar conscientemente o desenvolvimento ulterior da experiência”.

Para nós, contudo, a questão não está propriamente em explicar às massas, mas em dialogar com elas sobre a sua ação. De qualquer forma, o dever que Lukács reconhece ao partido revolucionário de “explicar às massas a sua ação” coincide com a exigência que fazemos da inserção critica das massas na sua realidade através da práxis, pelo fato de nenhuma realidade se transformar a si mesma.{15} Capítulo 1.

 

Essas são só algumas linhas que ilustram o por que de havermos protelado a abordagem de Paulo Freire.

Os mais desavisados poderiam pensar que trata-se de uma obra tão iluminada cuja produção de um resumo se mostraria uma tarefa hercúlea, e certamente Freire estaria bastante satisfeito em ser assim analisado. O fato porém é que ele apresenta muitos conceitos comuns dentro das discussões em círculos marxistas que poderiam muito bem serem apresentados com uma significativa objetividade. Nos textos acima, por exemplo, ele discute a postura de certos marxistas fatalistas que acreditam ser a superação do capitalismo um resultado da atuação das forças históricas, o que seria um evento que a militância política não teria poder nem de promover nem de retardar. Trocando em miúdos, tais militantes criticados por Freire acreditam que o capitalismo será superado por suas próprias contradições, e não pela ação revolucionária de um Marx ou um Lênin.

Apesar de ser esse o conteúdo interpretado de vários parágrafos destacados acima, é notório que a tentativa de Freire em esculpir suas convicções políticas como se fossem uma obra de arte é uma escolha que ele faz em prejuízo da própria compreensão dos seus textos.

Que Freire aspirasse a ser um poeta, um trovador ou uma bailarina... nada disso seria de nosso interesse. Contudo, certos leitores de sua obra, contagiados pelos rodopios Paulo Freirianos parecem convencidos de estarem diante de uma obra prima, pelo que inclusive lhe conferiram o epíteto de patrono da educação.

Aliás, é imprescindível ter em mente essa fama conferida a Paulo Freire como educador ao ler sua principal obra, A pedagogia do oprimido. Pretendo desenvolver melhor este argumento mais adiante, mas o fato é que pouco ou quase nada se encontra na referida obra em matéria de alfabetização e pedagogia propriamente dita.

Inclusive, sobre esse ponto, vejamos o trecho abaixo:

Ainda que não queiramos antecipar-nos, poderemos, contudo, afirmar que um primeiro aspecto desta indagação se encontra na distinção entre educação sistemática, a que só pode ser mudada com o poder, e os trabalhos educativos, que devem ser realizados com os oprimidos, no processo de sua organização.

A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá, dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação.

Em qualquer destes momentos, será sempre a ação profunda, através da qual se enfrentará, culturalmente, a cultura da dominação{16}. No primeiro momento, por meio da mudança da percepção do mundo opressor por parte dos oprimidos; no segundo, pela expulsão dos mitos criados e desenvolvidos na estrutura opressora e que se preservam como espectros míticos, na estrutura nova que surge da transformação revolucionária. Capítulo 1.

 

Veja que embora ainda estejamos a apresentar trechos do primeiro capítulo, a quantidade de citações diretas começa a tornar essa análise problemática. Por um lado, ao recorrer a citações tão extensas, muitas plataformas poderiam se negar a publicar este texto sob a justificativa de plágio. Por outro lado, se fizéssemos citações indiretas e resumidas, facilmente alguém poderia acusar este escriba de estar adulterando os pensamentos de Freire.

Assim, acabo tendo de recorrer a exaustivas e prolixas citações diretas, pois que Freire demora-se uma eternidade nos enfeites de seu raciocínio e protela o mais que pode a conclusão da sua linha de pensamento.

Um fato bastante desconcertante é o verniz de poesia que Paulo Freire emprega afim de justificar a ação violenta no processo de transformação da sociedade capitalista.

Ops... espere aí! Em que momento nós paramos de falar em alfabetização de jovens e adultos e passamos a discorrer sobre eventos de ruptura institucional violenta?

Aparentemente, poucos se fazem essas perguntas, mas uma vez feitas, o leitor poderá perceber que a prioridade de Freire está em qualquer lugar, menos na alfabetização.

Inclusive, sendo o título da obra A pedagogia do oprimido, caso Freire estivesse a produzir uma redação, certamente ele reprovaria por ter fugido ao tema, eis que seus textos não falam de outro assunto senão Marxismo explícito.

Outro trecho a seguir para ilustrar este raciocínio:

Na verdade, porém, por paradoxal que possa parecer, na resposta dos oprimidos à violência dos opressores é que vamos encontrar o gesto de amor. Consciente ou inconscientemente, o ato de rebelião dos oprimidos, que é sempre tão ou quase tão violento quanto a violência que os cria, este ato dos oprimidos, sim, pode inaugurar o amor.

Enquanto a violência dos opressores faz dos oprimidos homens proibidos de ser, a resposta destes à violência daqueles se encontra infundida do anseio de busca do direito de ser.

Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam, não podem igualmente ser; os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-lhes o poder de oprimir e de esmagar, lhes restauram a humanidade que haviam perdido no uso da opressão.

Por isto é que, somente os oprimidos, libertando-se, podem libertar os opressores. Estes, enquanto classe que oprime, nem libertam, nem se libertam. Capítulo 1.

E o que dizer da seguinte passagem?

Será na sua convivência com os oprimidos, sabendo também um deles – somente a um nível diferente de percepção da realidade – que poderão compreender as formas de ser e comportarse dos oprimidos, que refletem, em momentos diversos, a estrutura da dominação.

Uma destas, de que já falamos rapidamente, é a dualidade existencial dos oprimidos que, “hospedando” o opressor cuja “sombra” eles “introjetam”, são eles e ao mesmo tempo são o outro. Dai que, quase sempre, enquanto não chegam a localizar o opressor concreta-mente, como também enquanto não cheguem a ser “consciência para si”, assumam atitudes fatalistas em face da situação concreta de opressão em que estão{22}.

O que Freire faz neste ponto, embora a alguns possa ter escapado, é lançar mão da teoria de Hegel da dialética opressor/oprimido que ele desenvolve com a figura do escravo e do seu senhor. Assim, fundado nos mesmos pressupostos em que banqueteou-se Karl Marx, Freire divaga sobre as convicções arraigadas nas pessoas que ele pretende salvar com sua pedagogia. Sim, ao mesmo tempo em que ele leva a mensagem de subverter a ordem da relação professor/aluno, mestre/discípulo, por reconhecer no educando sujeito ativo da sua transformação, ainda assim Freire não se esquiva de trabalhar a aceitação do seu evangelho socialista, assim se esquecendo de toda a ladainha sobre a autonomia do educando.

 

Continua...


Tuesday, September 15, 2020

Estratégia agorista para compra de carro zero sem imposto.


                                    


    Se preferir baixar o documento com o conteúdo do tutorial use o link:

https://drive.google.com/file/d/1kvH3xGdqSinbzxpyLxC772WiFEFN6COH/view?fbclid=IwAR0yiKYR880-qresdAm-Mvn456XidNKrREHNYzYYXkTaDB-tOcyeQ9tD7eo

 

Um fato ainda pouco conhecido entre liberais e libertários é a possibilidade de comprar um carro 0km com uma substancial isenção tributária. No caso estamos falando de uma diferença de preço na casa dos 30% do valor final do automóvel... quinze/vinte mil reais do seu dinheiro que deixará de ir para os cofres do fisco.

As vezes as pessoas até tem alguma noção sobre a chamada isenção para deficientes, mas no fundo não imaginam quantas condições médicas podem conferir direito a compra do carro sem imposto.

A expressão isenção para deficientes passa uma ideia meio equivocada do assunto, porque na prática até condições médicas como tendinite, hérnia de disco e mal de parkinson são consideradas para a compra de carro sem imposto. É importante então estar atento, porque num primeiro momento a palavra deficiente em seu sentido mais corriqueiro pode levá-lo a descartar a possibilidade de conseguir a isenção, o que seria um grande equívoco.

Algumas estimativas levantam que aproximadamente metade das compras de veículos 0km poderiam ser feitas com isenção tributária, não só porque a lista de patologias é expressiva, mas porque no âmbito familiar, pode bem ser que pelo menos um dos indivíduos consiga comprovar o cumprimento dos requisitos, fazendo valer muito a pena a aquisição de veículo na modalidade PCD (pessoa com deficiência).

Para se ter uma ideia, em um núcleo familiar tradicional, pai, mãe e filhos, se o pai possui artrite, ou a mãe já fez uma mastectomia, então pode valer a pena comprar o veículo no nome de quem possui a patologia, com o fito de driblar a aviltante carga tributária.

Em 2016, segundo a Associação Brasileira das Indústrias e Revendedores de Produtos e Serviços para Pessoas com Deficiência (Abridef), foram vendidos 139 mil carros com isenção de IPI e ICMS. Em 2017, o número passou de 187 mil. Apenas no primeiro semestre de 2018, as isenções para PcD bateram o recorde de todo o ano anterior.

Aliás, quando você busca no google pelos termos Toyota PCD, Renault PCD, Honda PCD, etc... você já encontra prontamente resultados de páginas das montadoras voltadas a suprir as necessidades do cliente que busca por esse tipo de solução. Não só isso, mas em muitas concessionárias já existem profissionais treinados para encaminhar o melhor negócio para quem procura a aquisição de carros com isenção tributária.

Outra boa razão para procurar a isenção neste momento é que a grande procura já ascendeu o sinal de alerta na classe política, de modo que é cada vez mais frequente que se discuta o fim das isenções ou a diminuição de sua abrangência, portanto, é prudente fazer o processo o quanto antes.

Abaixo segue uma das listas que mais circulam na internet sobre as doenças que são compatíveis com a isenção, mas reforço que não existe uma lista oficial, portanto talvez o seu caso mereça uma pesquisa específica:

.1Alguns tipos de câncer

.2Amputações

.3Artrite

.4Artrodese (com sequelas)

.5Artrose

.6Autismo

.7AVC

.8AVE (Acidente Vascular Encefálico)

.9Bursite e Tendinite graves

.10Câncer (alguns tipos)

.11Cegueira

.12Contaminação por radiação

.13Deficiência Mental (severa ou profunda)

.14Deficiência Visual

.15Deformidades congênitas ou adquiridas

.16Doença de Paget em estados avançados

.17Doença de Parkinson

.18Doença renal, do fígado ou do coração

.19Doenças Degenerativas

.20Doenças Neurológicas

.21Encurtamento de membros e más formações

.22Esclerose Múltipla

.23Escoliose Acentuada

.24Hanseníase

.25Hérnia de Disco

.26LER (lesão por esforço repetitivo)

.27Lesões com sequelas físicas

.28Linfomas

.29Manguito rotador

.30Mastectomia

.31Mastectomia

.32Nanismo

.33Neoplasia maligna

.34Neuropatias diabéticas

.35Paralisia Cerebral

.36Paralisia irreversível e incapacitante

.37Paraplegia

.38Poliomielite

.39Ponte de Safena (quando há sequelas ou limitações)

.40Problemas graves na coluna

.41Próteses internas e externas

.42Quadrantomia

.43Renal Crônico com uso de fístula

.44Reumatoide

.45Síndrome do Túnel do Carpo

.46Talidomida

.47Tendinite crônica

.48Tetraparesia

.49Tetraplegia

.50Tuberculose ativa

No caso de dúvidas, como a existência de outras doenças crônicas, vale uma consulta ao DETRAN. Já há até algumas listas que circulam na imprensa dando o total de 70 condições médicas que possibilitam a compra de carro sem imposto.

Então vamos ao primeiro passo da sua jornada agorista, o laudo médico.

Oficialmente você precisa ter em mãos um laudo médico assinado por profissional do SUS credenciado pelo DETRAN. Em teoria, portanto, não deveria ser complicado conseguir o laudo. Na prática porém é frequente que só alguns profissionais concordem em fornecer o documento, mediante um “singelo” pagamento, geralmente na casa dos mil reais.

Vale constar que há quem consiga o laudo médico gratuitamente pelo SUS, a muito custo, as vezes envolvendo até denúncias no Ministério Público. Ainda assim, quando você pensa que o carro sairá da fábrica 30% mais em conta, e que o valor de mil reais pelo laudo é menos que uma única anuidade do IPVA... bem, olhando por esse ângulo o custo do laudo parece não ser tão impensável.

Em situações normais, você deveria conseguir uma lista dos profissionais habilitados para a elaboração do laudo no DETRAN. Se essa não for uma opção para você, por conta do DETRAN estar paralisado, por exemplo, então uma boa opção pode ser conseguir os contatos com as concessionárias e despachantes do ramo.

No meu caso, o roteiro seguiu mais ou menos essa linha: 1- procurei uma concessionária para me informar das opções de compra com isenção para PCD; 2- a concessionária me indicou uma despachante que praticamente só trabalhava com intermediação desse tipo de compra; 3- eu basicamente segui o roteiro que a despachante já tinha, indo atrás do médico que ela indicou, providenciando a lista de documentos que ela instruiu... etc.

De fato, apesar de esse texto apresentar a opção de como fazer você mesmo o procedimento de isenção, arrisco dizer que na maioria dos casos vale muito a pena você estar amparado por um profissional do ramo. Na prática há tantas burocracias que a maioria recorre a ajuda profissional.

Enfim, com ou sem ajuda de terceiros você precisará requisitar a isenção do IPI na Receita Federal. A Instrução Normativa (IN) RFB nº 1769/2017, publicada no Diário Oficial da União no dia 19 de dezembro, altera a lei que garante a isenção para pessoas com deficiência física, visual, mental severa ou profunda ou autistas. Agora, o processo de solicitação da desobrigação do IPI e do IOF é realizado pelo site da Receita Federal (RF) que pode ser acessado no seguinte endereço:

http://idg.receita.fazenda.gov.br/interface/lista-de-servicos/isencao/isencao-ipi-iof-autorizacao-para-aquisicao-de-veiculo-deficiente-autista/servico

As requisições são realizadas e analisadas pelo Sistema de Concessão Eletrônica de Isenção IPI/IOF (Sisen) e acessadas por meio de certificado digital ou código de acesso (no caso do solicitante não tenha o certificado).

Vale mencionar que a isenção de IOF é bem mais restrita, atualmente só aplicável a deficientes físicos em sentido estrito, mas se for o seu caso, vale a pena requisitar.

Outros documentos, como Registro Geral (RG), Cadastro de Pessoa Física (CPF), Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e comprovante de residência são necessários para solicitar a isenção para PcD. No caso do solicitante não ser motorista, é necessário apresentar, também, a declaração de identificação do condutor – que é emitida pela Receita Federal

Feito então o procedimento na RF e conseguindo o resultado positivo (geralmente após 72h) você já poderá procurar a receita estadual para requerer a isenção do ICMS. Talvez seja necessário pesquisar sobre o procedimento adotado no seu estado, mas em SP a requisição pode ser feita online no endereço:

https://www3.fazenda.sp.gov.br/SIVEI/

Genericamente, os documentos a serem apresentados nessa etapa são:

1.1) autorização expedida pela Secretaria da Receita Federal para aquisição do veículo com isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI;

1.2) Laudo de Avaliação, na forma dos Anexos III, IV e V da Portaria CAT 18/2013, conforme o caso, que ateste a condição de pessoa com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autista, emitido há menos de 2 (dois) anos da data do protocolo do requerimento mencionado no item 1.1 acima, por prestador de serviço público de saúde, serviço privado de saúde, contratado ou conveniado, que integre o Sistema Único de Saúde (SUS), pelo Detran ou por suas clínicas credenciadas;

Nota: O referido laudo poderá ser substituído por Laudo de Avaliação apresentado à Receita Federal do Brasil para concessão da isenção do IPI, nos termos do inciso IV do artigo 1º da Lei federal 8.989, de 24-02- 1995 e da Instrução Normativa RFB 1.769, de 18-12-2017, emitido há menos de 2 anos da data do protocolo do requerimento mencionado no “caput”, e desde que o referido laudo tenha sido emitido por prestador de serviço público de saúde ou prestador de serviço privado de saúde, contratado ou conveniado, que integre o Sistema Único de Saúde (SUS).

 

1.3) comprovante de residência da pessoa com deficiência ou autista, ou de seu representante legal, se for o caso, emitida há, no máximo, 03 (três) meses;

1.4) Carteira Nacional de Habilitação - CNH, especificando as restrições referentes ao condutor e as adaptações obrigatórias no veículo, nos termos da Resolução CONTRAN 765/93 ou outra que a substitua, caso a pessoa com deficiência física, beneficiária da isenção, seja a própria condutora do veículo.

Nota 1: observar prazo de validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH);

Nota 2: Se o interessado necessitar de veículo com característica específica para obter a Carteira Nacional de Habilitação - CNH, poderá adquiri-lo com a isenção, sem a apresentação da cópia autenticada do referido documento, desde que o adquirente do veículo apresente, em até 270 (duzentos e setenta) dias contados da data da aquisição constante na Nota Fiscal, cópia autenticada Carteira Nacional de Habilitação - CNH.

1.5) Carteira Nacional de Habilitação - CNH de todos os condutores (máximo 03) autorizados a dirigir o veículo, caso o beneficiário da isenção não seja o condutor do veículo por qualquer motivo;

1.6) Documento que comprove a representação legal, se for o caso;

1.7) Declaração expedida pelo vendedor do veículo, conforme modelo constante no Anexo II da Portaria CAT 18/2013, na qual constem as seguintes informações:

1.7.1) O número de inscrição do interessado no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda - CPF;

1.7.2) Que o benefício será repassado ao adquirente, mediante correspondente redução no preço;

1.7.3) A descrição do modelo do veículo que o interessado pretende adquirir, bem como o preço sugerido, incluídos os tributos incidentes.

Nota: Para que o vendedor possa expedir a presente declaração, o interessado deverá lhe entregar cópia do laudo de perícia médica (mencionado no item 1.2 acima).

1.8) Comprovação de disponibilidade financeira ou patrimonial, da pessoa com deficiência ou autista, ou de parentes em primeiro grau em linha reta ou em segundo grau em linha colateral, cônjuge ou companheiro em união estável, ou, ainda, de seu representante legal, suficiente para suprir os gastos com a aquisição e a manutenção do veículo a ser adquirido, tais como;

1.8.1) Declaração do Imposto de Renda;

1.8.2) Comprovação de recebimento de salário, vencimentos, pensão, proventos, rendimentos e afins;

1.8.3) Proposta de financiamento de instituição do Sistema Financeiro Nacional.

O requisito destacado acima das três carteiras de motorista é um requisito para compradores deficientes que não serão condutores do veículo. O que é importante destacar é que em teoria apenas os cadastrados poderão dirigir o veículo em questão, mas na prática nunca vi falar de um policial que haja parado um carro querendo saber se o motorista foi ou não foi cadastrado corretamente no processo de isenção.

Ainda assim, vale a menção, só pra evitar qualquer dor de cabeça futura.

Os certificados têm data de validade. A dispensa do IPI expede em 270 dias – contados a partir da data de emissão – e deve ser apresentada para a fabricante pelo menos 40 dias antes do vencimento.

O ICMS tem validade menor, são 180 dias. A necessidade de entregar o documento na concessionária 40 dias antes do seu vencimento também vale para esse imposto.

Um outro diferencial é que pessoas com deficiência podem trafegar de carro todos os dias pela capital paulista, ainda que a placa não esteja contemplada no rodízio municipal. Para ter direito ao benefício, basta fazer o cadastro na Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) pelos telefones (11) 3030-2484 ou 3030-2485 ou pelo site da CET

Como cada estado possui sua forma de tramitação da isenção do ICMS, talvez esse tutorial não cubra todos os passos necessários na sua localidade. Ainda assim, deixarei também um breve tutorial sobre como realizar o procedimento em Minas Gerais, de forma a tornar esse tutorial um pouco mais abrangente.

 

A Secretaria da Fazenda de Minas separa os processos em três tipos: “portador de deficiência física condutor”, “portador de deficiência visual ou física não condutor”, e “portador de deficiência mental, severa ou profunda ou autista não condutor”.

Há uma página no site da SEF com a relação dos documentos necessários para cada tipo de solicitação e links para modelos de alguns destes documentos.

O primeiro documento que é preciso providenciar é o Formulário de Identificação Modelo Veículo. Nele, devem ser preenchidos os dados do requerente e do veículo automotor que pretende adquirir, além de informações sobre o financiamento, se for o caso.

Em Minas Gerais, o próprio comprador pode preencher tudo e assinar, mas se tiver alguma dúvida, pode pedir ajuda na concessionária em que estiver comprando o carro para PcD.

Atenção para o modelo e versão do veículo: algumas “versões PCD” tem um código específico de versão, que deve ser preenchido corretamente. Em alguns estados, como São Paulo, é preciso levar o formulário para ser preenchido, assinado e carimbado pela concessionária.

O próximo documento relacionado no site é o laudo médico, o qual já citei acima. Em seguida, é solicitada a “comprovação de disponibilidade financeira ou patrimonial”.

Esta comprovação é um dos quesitos que traz mais complicações. Para simplificar e facilitar a aprovação, o ideal é enviar a Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física completa do ano anterior de quem for contribuir com a maior parcela do valor do carro.

Outro documento que também resolve é o contracheque ou comprovante de recebimento de salário ou outra fonte de renda, de no máximo 90 dias antes da data do requerimento. Pode ser a declaração ou contracheque de pai, mãe, irmão ou cônjuge.

Caso não tenha nenhum destes comprovantes para enviar, é possível enviar extrato de conta corrente, documento de veículo no nome do requerente (inclusive o documento de transferência em branco), escritura de imóvel ou saldo de investimentos.

Alguns estados não aceitam estes documentos impressos do site dos bancos, portanto pode ser prudente pegá-los direto na agência bancária (em Minas Gerais, aceita). Outros exigem mais documentos de comprovação financeira, pois é preciso comprovar que tem recursos para comprar e também para manter o veículo.

Portanto, o ideal é se munir do maior número possível de comprovantes, se houver mais de uma renda envie todas, extratos bancários, extratos de investimentos, enfim, tudo que puder, para minimizar a chance de indeferimento.

Não é necessário comprovar que tem recursos para comprar o carro à vista, mas se for financiado, é bom enviar um documento da concessionária, uma simulação de financiamento, para demonstrar como será o pagamento do veículo.

Os outros documentos necessários são:

•CPF;

•Identidade;

•Comprovante de residência.

Uma dúvida muito comum é se há necessidade de autenticar estes documentos. Isto também varia de estado para estado. Em MG não é necessário autenticar nada, basta escanear, de preferência colorido e com boa qualidade.

Após juntar toda a documentação, volte ao site da Secretaria da Fazenda, na página que fala sobre o processo, role até o final e a última frase antes do menu contém o link para iniciar o processo, que direciona para o SIARE – Sistema Integrado de Administração da Receita Estadual.

A primeira informação que é necessária digitar é o CPF do requerente. Após digitar é preciso clicar em “Não sou um robô” e em seguida em “Pesquisar”, e o site busca na base de dados da secretaria da fazenda o nome da pessoa. Há um campo chamado “NIRE” embaixo que não precisa ser preenchido.

Em seguida é preciso entrar com o endereço. Basta clicar na frase “Clique aqui para informar o endereço” no final da barra cinza do título. Abre-se uma caixa onde há um campo para digitar o CEP do requerente e depois clicar em “Pesquisar”.

O sistema busca o nome da rua e é só preencher o número e complemento e clicar em “Selecionar”. Em seguida deve-se entrar com os dados de contato, que são o telefone, de preferência celular, e o e-mail.

O próximo campo a ser preenchido é para determinar o tipo de isenção de ICMS. Sendo deficiente, basta escolher “Portador de Necessidades Especiais”.

O campo debaixo fica em branco, pois serve para solicitar isenção de IPVA. Então, é preciso clicar na opção “Sim” do campo “Veículo Novo” e em seguida clicar em “Confirmar”.

A página que se abre contém uma relação dos documentos que devem ser enviados de acordo com o tipo de solicitação. É a mesma relação de documentos da página de orientações que citei acima, neste caso funciona como um check-list, para o requerente verificar se já separou todos os documentos necessários.

Ao final da relação consta o endereço de entrega, para quem achar melhor ir até a secretaria. Mas isso não é necessário, o campo seguinte existe exatamente para enviar pela Internet todos os documentos. Basta rolar a página e chegará ao local em que os documentos devem ser enviados.

Clique no símbolo de um clipe de papel para começar a anexar. Feito isso pela primeira vez, abre-se uma janela onde é preciso clicar em “Escolher arquivo”, aí vá até a pasta onde o arquivo está e clique em “Abrir”.

O documento é enviado, e ao final do processo abre-se uma caixa de diálogo com a informação “Upload de arquivo realizado com sucesso”.

Após enviar o documento, escreva no campo abaixo o nome do documento que foi enviado e depois clique em “Confirmar”. O documento aparece na relação com o status “Aguardando ‘FINALIZAR’ solicitação”.

Repita estes passos para todos os outros documentos, e eles vão aparecendo na relação, um embaixo do outro.

Após enviar todos os documentos necessários à sua isenção, confira se todos eles estão relacionados no campo “Documentos Anexados”, e então clique em “Finalizar”.

Os status dos documentos que foram enviados irá mudar para “entregue”. E pronto, sua solicitação de isenção foi enviada.

Desça a página até o final e anote o protocolo ou clique em cima da frase “Imprimir comprovante de protocolo” e imprima a página que se abre.

Caso algum documento esteja faltando ou errado, você receberá um e-mail informando sobre a inconsistência, e então você deverá ir até a sede da Secretaria da Fazenda levar o documento correto.

Na Secretaria da Fazenda

O tempo de espera varia de acordo com o estado, mas também reduziu bastante após a informatização. A isenção de ICMS em MG geralmente fica pronta em uma semana, mas dependendo da demanda pode demorar mais de um mês.

O resultado chegará no e-mail informado no processo. Após receber o e-mail atestando que a isenção foi deferida, é preciso ir à Secretaria da Fazenda.

Então, basta juntar com a isenção de IPI, levar à concessionária escolhida, fechar a compra e aguardar ansiosamente pela chegada do veículo novo!

 

Claro que num primeiro momento pode parecer tudo excessivamente complexo, mas você não precisa ser um Hércules pra dar conta desses doze trabalhos, tanto que cada vez mais existem pessoas recorrendo à compra de carro sem imposto.

Uma vez superadas essas burocracias, você também poderá requisitar na receita estadual a isenção do famigerado IPVA, o que é no meu ver uma das maiores vantagens desse tipo de aquisição.

Você já se perguntou quanto você paga ao final de vinte anos em valores totais de IPVA? Se o valor cobrado pelo imposto for de 4% do valor do veículo, ao final de vinte anos você terá pago 80% do valor do carro em impostos, sem contar IPI e ICMS que já tratamos logo acima.

Então, mesmo que seja um saco, vamos adiante pra dar cabo de mais esse infame imposto.

Em SP o trâmite também poderá ser feito online, e vai exigir a seguinte lista de documentos:

• Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) ou Certificado de Registro de Veículo (CRV), frente e verso, ou na sua falta, formulário Renavam com etiqueta da placa do veículo.

• Cédula de identidade do requerente.

• CPF do requerente.

• Nota fiscal ou DANFE de aquisição do veículo.

• Documento que comprove a nomeação do curador (se for o caso).

• Documento que comprove a representação legal (se for o caso).

Quando eu realizei minha compra, apenas deficientes condutores podiam ter essa isenção, o que não era o meu caso. Ainda assim, entrei com um processo no juizado especial.

Quando o processo estava tramitando passei por uma situação curiosa. A procuradoria (órgão que advoga em prol do estado) peticionou para que o juiz não concedesse a isenção, dizendo que há muitos deficientes abusando da isenção e comprando carros de luxo e deixando de contribuir com os impostos para sustentar a saúde e a educação... por isso saboreei ainda mais quando saiu o resultado do processo me dando ganho de causa.

Hoje a legislação paulista já confere a isenção de IPVA aos deficientes que precisem de terceiros para conduzir o veículo, mas como venho relatando, ao tempo em que fiz o procedimento tudo era bem mais complicado, inclusive pela falta da digitalização dos processos que conferiu mais agilidade ao procedimento.

Porfim, há ainda alguns aspectos finais para enfatizarmos:

1- financeiramente o resultado vale muito a pena, mesmo que implique em encarar uma boa dose de burocracia e dor de cabeça pelo caminho. Estamos falando de uma diferença de 30% em média no valor final do veículo, ou algo em torno de vinte mil reais;

2- a demora para passar por todas as fases pode variar, mas costumeiramente fica em torno de seis meses podendo chegar até uns nove meses de duração, desde o primeiro pedido de isenção até você efetivamente conseguir botar as mãos no seu veículo;

3- dependendo da legislação do seu estado, você poderá revender o veículo após dois ou quatro anos. Ainda assim, o valor que você consegue na venda para um adquirente comum é geralmente um valor compatível com o preço que você pagou na compra do veículo. ex: você comprou um veículo de R$69.000 que com isenção saiu por R$47.000. Ao vender seu carro seminovo, se você conseguir por ele algo na casa dos R$45.000 você praticamente já conseguirá comprar um novo carro zero com isenção pelo preço que você revendeu seu seminovo;

4- para ser enquadrado nas hipóteses de isenção, o veículo precisa cumprir alguns requisitos, como ter câmbio automático e custar menos de setenta mil. Daí porque pode ser interessante procurar a linha PCD das montadoras, porque os veículos já vem enquadrados em todas as especificações que você precisará para fazer jus aos benefícios.

 

Enfim, espero ter oferecido um panorama geral que possa lhe proporcionar uma forma de resistir ao leão e sua carga tributária soviética.

Uma nota final: não há nesse texto qualquer procedimento de sonegação. Tudo o que foi explicado aqui são brechas do próprio ordenamento jurídico, e que você pode lançar mão de forma totalmente legal. Portanto, faça bom proveito, antes que algum decreto ou norma aleatória revogue as isenções e bote tudo a perder.

Imposto é roubo. 



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