Friday, May 31, 2019

Refutando o mito do socialismo escandinavo.

Nota
Esse texto é basicamente um compilado de diversos argumentos de artigos diferentes do Instituto Mises Brasil. Meu único trabalho foi criar um compilado que abrangesse um panorama geral sobre os países nórdicos que são sempre objetos de debate político, os quais são também abordados caso a caso em artigos temáticos específicos no IMB com uma boa gama de informações adicionais.

***

    Todos queremos ser a Escandinávia... será mesmo?


A social-democracia é um arranjo paradoxal: embora ela seja vista como
a salvação dos pobres, ela só pode funcionar — e ainda assim
temporariamente — em países de população rica.
E o motivo é simples: para que um estado de bem-estar social — no qual
o governo cuida de todos por meio de altos gastos sociais e ainda
fornece vários serviços "gratuitos" — funcione, o governo tem de
tributar pesadamente a população.
    E para que essa alta carga tributária não afete a criação de riqueza
da economia, essa população tem de ser extremamente produtiva e
possuir uma alta renda per capita. Ela tem de produzir a taxas cada
vez maiores, e já ter uma grande riqueza acumulada, para poder ser
pesadamente tributada pelo governo e ainda conseguir manter seu padrão
de vida. Só assim ela poderá arcar com a alta carga tributária
necessária para bancar o estado de bem-estar social.
    Caso contrário, se a produtividade não for crescente, o governo estará
confiscando riqueza a uma taxa maior do que ela é criada. E aí a
pesada tributação fará a riqueza definhar. E se a renda per capita não
for alta o bastante, simplesmente não haverá como o governo continuar
tributando para manter o estado de bem-estar social.
    Uma coisa é o governo tributar pesadamente uma população já rica e
produtiva; outra, completamente oposta, é o governo querer fazer o
mesmo com uma população pobre e pouco produtiva. Para efeitos de
comparação, onde você acha que seria mais fácil manter um estado de
bem-estar social: na Suíça ou no Haiti?
    Obviamente, tributar apenas os "ricos" para então bancar todo o resto
da população "não-rica" é algo numericamente impossível, pois
simplesmente não há, em nenhum país do mundo, ricos em quantidade
suficiente para serem continuamente tributados e custearem sozinhos os
gigantescos gastos efetuados pelos estados assistencialistas
ocidentais.
    Portanto, para a social-democracia se manter, toda a população tem de
ser rica e muito produtiva.
    Consequentemente, uma social-democracia, para se manter, tem de criar
um arcabouço amplamente liberal em termos de economia de mercado: as
pessoas têm de ser extremamente livres para investir, produzir e criar
riqueza; o ambiente burocrático e regulatório tem de ser leve e pouco
intrusivo; a facilidade de empreendimento tem de ser máxima; o
respeito à propriedade privada tem de ser total (caso contrário, não
haverá investimentos); os investimentos estrangeiros têm de ser
liberados.
    O melhor exemplo prático, obviamente, são os países nórdicos, os quais
seguem à risca essas regras: seu ambiente empreendedorial é
extremamente desregulamentado e os países são um dos mais abertos do
mundo para o livre comércio. Demora-se no máximo 6 dias para abrir um
negócio e as tarifas de importação estão na casa de 1,3%, na média. A
dívida pública é baixa, o que significa que o governo não estoura o
orçamento. Não há salário mínimo estipulado pelo governo. Há uma
robusta proteção dos direitos de propriedade. As alíquotas de imposto
de renda para pessoa jurídica são das mais baixas do mundo. Não há
impostos sobre a herança.
    Todas as atuais sociais-democracias do mundo seguiram o mesmo ritual:
primeiro elas enriqueceram por meio de uma economia de mercado
amplamente desregulamentada; depois, só depois, adotaram um estado de
bem-estar social.

Entra a Finlândia

    Antes de a social-democracia ter se radicalizado nos países nórdicos
ao final da década de 1960, a carga tributária destes países era de
aproximadamente 30% do PIB — valor muito próximo ao de outros países
desenvolvidos.  À época, todo esse fardo tributário era bastante
visível, pois a maior parte da tributação se dava por meio de impostos
diretos, os quais apareciam no contracheque dos empregados.
    Ao longo do tempo, uma fatia cada vez maior da tributação passou a ser
arrecadada por meio de impostos indiretos. Estes são bem menos
visíveis para os que arcam com eles, uma vez que tais impostos ou são
cobrados antes de o salário ser formalmente pago ao empregado, ou já
estão incluídos nos preços dos bens de consumo.
    A Finlândia é um exemplo bem interessante dessa política.
A carga tributária do país era de 30% do PIB em 1965. Os impostos
indiretos, tanto na forma de VAT (imposto sobre o valor agregado,
essencialmente um imposto sobre vendas) quanto de contribuições
compulsórias para a previdência social, equivaliam a 25% da tributação
total.
    Atualmente, a carga tributária total já está 44% do PIB, sendo que
metade disso está na forma de impostos indiretos (ou, utilizando um
termo mais apropriado, impostos ocultos).

    Ou seja: para manter o estado de bem-estar social, o governo finlandês
passou a tributar, de maneira crescente, toda a população. Isso era
inevitável.
    Mas mesmo este arranjo também não tem como ser duradouro. Há um fator
crucial que simplesmente não pode ser ignorado, e o qual pode fazer
todo o arranjo sucumbir: a demografia.
    Mesmo as mais bem azeitadas sociais-democracias não podem contornar
esta realidade: se a população parar de crescer, não haverá uma
quantidade suficientemente grande de indivíduos para serem tributados
no futuro para bancar os mais velhos, os aposentados e os mais pobres.
    Consequentemente, todo o estado de bem-estar social entra em risco.
De novo: mesmo os mais bem gerenciados estados assistencialistas terão
de lidar com um futuro desafiador por causa das mudanças demográficas.
    Volumosos programas de redistribuição só funcionam se houver uma
quantidade suficientemente grande de pagadores de impostos para bancar
as prometidas redistribuições.
E, na Finlândia, a quantidade futura de pagadores de impostos está
secando. Uma recente reportagem da Bloomberg relata que os políticos e
economistas do país estão profundamente preocupados com o fato de que
não haverá um número suficiente de pagadores de impostos no futuro
para financiar o extravagante estado assistencialista do país. A
Finlândia está vivenciando uma "escassez de bebês".
    Em 2016, o país teve o menor número de partos em 148 anos — ou desde a
grande fome de 1868. A taxa de fecundidade da Finlândia caiu para 1,57
filho por mulher, e o percentual de pessoas com 20 anos de idade ou
menos em relação à população em idade de trabalhar é de 40%. Era de
60% em 1970. Ou seja, a base da pirâmide etária encolheu
acentuadamente, ao passo que o topo está só aumentando.
    A situação pegou os economistas do país de surpresa. Eles não só não
têm nenhuma solução para isso, como ainda se mostram um tanto
desesperados. Para Heidi Schauman, economista-chefe do Aktia Bank, as
estatísticas são "assustadoras". Como ele próprio explica: "Essas estatísticas mostram quão rapidamente nossa sociedade está
mudando, e não temos nenhuma solução para evitar esse fenômeno. Temos
um setor público grande e o sistema precisa de pagadores de impostos".
    O economista claramente não percebeu a deliciosa ironia contida na
última frase de sua declaração, a qual revela explicitamente a
essência dos estados modernos: a função do setor público é apenas se
servir das pessoas.
    Sem a capacidade de expropriar eternamente capitalistas e
empreendedores ricos, o estado de bem-estar social passa a ser apenas
uma máquina ensandecida cujo único propósito é perpetuar a própria
existência devorando quantidades maciças de impostos extraídos das
próprias pessoas a quem ele diz estar servindo.
    Se a tendência demográfica ameaça a existência dessa máquina, bem,
então mais pessoas devem ser geradas apenas para continuar alimentando
esse mecanismo. Isso lembra o enredo do filme Matrix.
    Com suas baixas taxas de fecundidade, a demografia já é uma
preocupação em todo o mundo desenvolvido. Mas as atuais tendências
demográficas são particularmente problemáticas para países com
generosos estados de bem-estar social, uma vez que uma baixa
fecundidade coloca em risco a própria sobrevivência do sistema.
    Os "beneficiários" das mais avançadas sociais-democracias não estão se
reproduzindo em quantidade suficiente para bancar os benefícios que
estão recebendo. Consequentemente, estão "colocando em risco" a
sobrevivência de longo prazo dos mais generosos estados
assistencialistas.
    Por outro lado, é importante ressaltar que mudanças demográficas não
necessariamente geram problemas econômicos e fiscais. Hong Kong e
Cingapura possuem taxas de fecundidade extremamente baixas, mas não
estão enfrentando problemas. Motivo: suas economias são maciçamente
livres e não são oneradas por estados assistencialistas de estilo
ocidental.

    Dentre todos os desafios para a adoção de um estado de bem-estar social, devemos nos atentar para o fato de que nem todos os países nórdicos possuem características facilmente replicáveis. A Noruega constitui um exemplo bastante sui generis, devido ao fato
de 22% de seu PIB se dever ao petróleo e ao gás, poucos pontos
percentuais abaixo da Venezuela. Então, a menos que a proposta dos
progressistas dependa de o país boiar sobre petróleo, o exemplo da
Noruega não é replicável.
    O Brasil tem esse recurso natural, é verdade, mas em faturamento anual
por empregado, a Petrobrás é a penúltima no mundo. Em 2016, enquanto a
Petrobras pagava salários a 315.000 funcionários, entre efetivos
(84.000) e terceirizados (231.000), a Shell, a Exxon e a British
Petroleum (BP), juntas, empregavam 262.000 pessoas, 53.000 a menos que
a brasileira, com lucros somando US$ 58,6 bilhões. A Petrobras passou
por quatro anos de prejuízos seguidos;

    Outra circunstância regularmente substimada é o irrevogável fato de que vivemos em um mundo de escassez: o
dinheiro para bancar todos os gastos estatais advém da tributação de
bens e serviços produzidos pela economia privada. E estes, por
definição, são escassos. Consequentemente, dado que a tributação
incide sobre bens e serviços escassos, sua capacidade de arrecadação
é, por definição, limitada. Se os gastos crescerem mais do que essa
capacidade de arrecadação, o dinheiro irá literalmente acabar.
    Sim, isso parece ser um "truísmo óbvio" (pleonasmo intencional), mas é
necessário sempre repeti-lo, pois ainda há quem negue a incontestável
realidade da escassez.
    No Brasil atual, o dinheiro para bancar os crescentes gastos do
governo literalmente acabou. E por dois motivos:
1) a quantidade de pessoas aptas a serem continuamente tributadas
parou de crescer;
2) as que ainda estão aptas a ser tributadas são pouco produtivas. A
produtividade de um brasileiro equivale a 25% da produtividade de um
americano, o que significa que um brasileiro leva uma hora para
produzir o mesmo bem ou serviço que um americano produz em 15 minutos.
Quem produz menos por hora tem renda menor. Quem tem renda menor tem
menos capacidade de ser crescentemente tributado.

    A raiz da riqueza dos países nórdicos também pode ser rastreada a um
fundamento de origem ética, que Max Weber chamou de ética protestante
e o espírito do capitalismo.
    Dado curioso: Aparentemente, pode-se tirar os escandinavos da
Escandinávia, mas não a Escandinávia dos escandinavos. Há um legado
cultural que explica parte desse sucesso: uma cultura de confiança
social, de relativa ausência de corrupção, e uma ética de trabalho
luterana. Guardadas as devidas proporções, os brasileiros convivem com um exemplo bastante próximo quando se trata da imigração japonesa.
    Americanos de ascendência sueca são 39% mais produtivos, em termos per
capita, do que os suecos que permaneceram na Suécia (para os
finlandeses em mesma situação, este valor chega a 47%; para os
dinamarqueses, 37%).  Mais: entre os americanos de origem sueca, a
taxa de pobreza é menor do que a taxa de pobreza de seus conterrâneos
na Suécia. Recorda que nossa produtividade é 1/4 da americana? Pois
bem, nesse aspecto também os nórdicos nos fazem comer poeira. Tem alguém surpreso? Eu não.
    Em termos mais abrangentes, a renda dos escandinavos que vivem nos EUA é
de cerca de 20% acima da média americana, e a taxa de pobreza, cerca
de metade da média americana.

Desafio: vamos replicar no Brasil uma ética luterana que soma trabalho,
frugalidade, poupança e crescimento de capital? Se houver uma receita
para isso quero ser o primeiro a saber.

    A social-democracia no Brasil ainda é impossível.)
    Apenas um país que já enriqueceu, que já acumulou o capital
necessário, e que já alcançou a produtividade suficiente pode se dar
ao luxo de adotar abrangentes políticas assistencialistas.
    Mas, ainda assim, tais políticas cobram um preço. Por mais alta que
seja sua produtividade, não dá para continuar crescendo como antes.
    Curiosamente, o assistencialismo encerra esse paradoxo: países pobres
não tem uma população rica e produtiva o suficiente para bancar
assistencialismo, ao passo em que o assistencialismo só é praticável
em países em que ele é menos necessário.
    Os países escandinavos primeiro enriqueceram (o fato de não terem
participado de nenhuma guerra ajudou bastante) e só depois adotaram um
estado assistencialista. E com um detalhe inevitável: após essa
adoção, a criação de riqueza estagnou.

    Agora existem provas de que a Suécia, mesmo em termos das estatísticas
do próprio governo, não é tudo o que se imagina; e que, na realidade,
não vivenciou nenhum crescimento econômico real (ao menos em termos de
empregos reais, os quais deveriam ser de óbvio interesse para os
keynesianos) ao longo de mais de 50 anos.
    Em um artigo (infelizmente disponível apenas em sueco) publicado em
2009 no periódico Ekonomisk Debatt, da Associação de Economia Sueca,
os economistas Bjuggren e Johansson, do Ratio Institute, mostram a
triste verdade.  Baseando-se em dados públicos divulgados pela agência
governamental Estatísticas Suecas ("SCB" em sueco, um acrônimo para
Bureau Central de Estatísticas) e utilizando um novo sistema de
classificação para designar o tipo de propriedade das empresas, eles
descobriram que não houve absolutamente nenhum emprego criado no setor
privado de 1950 a 2005.
    Sim, você leu corretamente: não houve nenhum aumento líquido no número
de empregos no setor privado na Suécia durante um período de 55 anos.
Em outras palavras, em um período que começou cinco anos após o fim da
Segunda Guerra Mundial, a economia sueca ficou completamente
estagnada.
    Isso, por sua vez, explica por que o governo sueco não foi capaz de
estimular continuamente o estado assistencialista desde a década de
1970 até o início da década de 1990.  Como não houve guerras
internacionais nesse período — algo que estimula, ao menos
temporariamente, as exportações de um país que não foi afetado —, o
setor exportador encolheu; e como não houve um genuíno crescimento
global no qual pegar carona, o blefe não se sustentou e a realidade
logo se impôs.

Reformas de diminuição do estado salvaram a Suécia.

    De 1973 a 1994, 21 anos, o PIB per capita da Suécia foi de 17.000 para
22.000 dólares.
Em 1994, o governo implementou várias reformas liberais, a saber:

"In 1994 the government budget deficit exceeded 15% of GDP. The
response of the government was to cut spending and institute a
multitude of reforms to improve Sweden's competitiveness. When the
international economic outlook improved combined with a rapid growth
in the IT sector, which Sweden was well positioned to capitalize on,
the country was able to emerge from the crisis."

    Os resultados se fizeram sentir: O PIB per capita foi de 23.000 para
33.000 dólares.
    O relativo sucesso da Suécia não tem nada a ver com estímulos
governamentais, aumentos nos benefícios assistencialistas ou
estatizações do setor privado.  Trata-se do resultado direto de um
resoluto e politicamente doloroso programa implementado durante um
período de mais de 15 anos, com o objetivo de limpar a bagunça de
quase 50 anos de políticas keynesianas que chegaram perto de quebrar
uma nação de mil anos de idade.


    Outro ponto flagrantemente ignorado no contexto dos países nórdicos é
a liberdade econômica. Ao passo que serviços públicos nórdicos são
sempre celebrados mundo a fora, o fato dos países escandinavos
ocuparem as melhores posições nos rankings de liberdade é sumariamente
ignorado.
    A Suécia contrabalança seu estado assistencialista implantando
políticas extremamente pró-mercado em outras áreas da economia. O ambiente empreendedorial da Suécia é extremamente desregulamentado e
o país é um dos mais abertos do mundo para o livre comércio. Lá o
gerador de riqueza não é o inimigo público número 1. Como
consequência, se analisamos fatores como livre comércio,
desregulamentação, política monetária e direitos de propriedade, a
Suécia é o oitavo país mais liberal do mundo segundo Fraser Institute.
    Agora vejamos alguns dados comparativos:

Escandinávia versus Brasil.

    Você demora no máximo 6 dias para abrir um negócio (contra mais de 130
no Brasil); as tarifas de importação estão na casa de 1,3%, na média
(7,9% no Brasil); o imposto de renda de pessoa jurídica é de 25% (34%
no Brasil); o investimento estrangeiro é liberado (no Brasil, é cheio
de restrições); os direitos de propriedade são absolutos (no Brasil, a
propriedade atenderá sua função social, o que vai permitir que o
interesse de políticos e burocratas possa intervir na propriedade com
desapropriações, encampações e outra dúzia de institutos que lotam os
manuais de direito administrativo); e, horror dos horrores, o mercado
de trabalho é extremamente desregulamentado. Não apenas pode-se
contratar sem burocracias, como também é possível demitir sem qualquer
justificativa e sem qualquer custo. E tudo com o apoio dos sindicatos,
pois eles sabem que tal política reduz o desemprego. Estrovengas como
a CLT (inventada por Mussolini e rapidamente copiada por Getulio
Vargas) nunca seriam levadas a sério por ali.
    Na Dinamarca, por exemplo, não há nem sequer indenização por demissão
(mesmo sem justa causa) e nem leis trabalhistas que restrinjam horas
extras (empregado e patrão acordam voluntariamente as horas de
trabalho), o que permite que as empresas dinamarquesas operem 24 horas
por dia, 365 dias por ano.
    E mais: o empresário não paga absolutamente nada em termos de
previdência social do empregado.  Tudo fica por conta do próprio
empregado (que paga 8%).  Eventuais negociações coletivas entre
sindicatos e empresas não demoram menos do que 30 anos para a maioria
dos assuntos relevantes (como estipular um salário-base para uma
categoria ou as horas de trabalho semanais).  Com efeito, 25% dos
trabalhadores dinamarqueses não estão cobertos por nenhum acordo
coletivo, sendo livres para negociar face a face com o empresário. Em suma: a Dinamarca desfruta pleno emprego graças a um mercado de
trabalho altamente liberalizado, em que os custos de contratar são
baixos e os custos de demitir são quase nulos.  O mercado de trabalho
dinamarquês é o quinto mais desregulamentado do mundo, perdendo apenas
para EUA, Hong Kong, Cingapura e Brunei.
    Uma economia livre é aquela em que há respeito à propriedade privada,
liberdade de empreendimento, pouca burocracia, desregulamentação
econômica, moeda forte, ausência de inflação, leis confiáveis e
estáveis, arcabouço jurídico sensato e independente, segurança
jurídica, e a garantia de que as pessoas poderão manter os frutos de
seu trabalho, isto é, as pessoas não serão confiscadas e poderão
manter seus lucros. Um bom exemplo de um país assim é a Suíça.

    Já uma economia dirigida é o oposto de tudo isso. Um bom exemplo seria
a Coréia do Norte, todos os países africanos, e vários da América
Latina.
    A disparidade é nítida para qualquer que se interesse por visitar
índices de liberdade econômica como o Doing Business. O fato dos
países mais livres serem os mais ricos e com melhor qualidade de vida
não é mera coincidência... basta ver o topo do ranking, (os países
mais livres e mais ricos), e os países na lanterna, que são os mais
fechados e mais pobres, como não poderia deixar de ser.
    Embora o primeiro modelo não seja garantia de enriquecimento -- pois o
enriquecimento vai depender da amplitude da divisão do trabalho, da
poupança, da acumulação de capital e da capacidade intelectual da
população --, o segundo modelo é certeza de pobreza.

    Retomando os exemplos, há algo de muito interessante sobre a política
suíça: você simplesmente nunca ouviu falar de nenhum político suíço em
nenhum momento da história.
    Você certamente conhece nomes — atuais ou do passado — de políticos da
França, da Alemanha, do Reino Unido, da Itália, da Áustria, de
Portugal, da Espanha, da China, do Japão, e dos principais países da
América Latina. Uma simples pesquisa no Google irá lhe apresentar toda
a equipe do atual chefe de governo de cada um desses países.
Mas você absolutamente nada sabe sobre a política da Suíça. Você
simplesmente nunca ouviu falar de nenhum político da Suíça, nem atual
nem do passado. Com efeito, você sequer sabe ao certo qual é o sistema
político vigente na Suíça.
    (Há uma piada antiga que diz que não há corrupção na Suíça porque as
pessoas simplesmente não sabem onde estão os políticos que elas devem
tentar subornar para conseguir favores.)
    A questão é: como é que um país tão famoso (e tão invejado) no cenário
internacional possui um executivo totalmente desconhecido?
Os suíços se opuseram a um governo central desde o início de sua história
O começo da confederação suíça nunca esteve relacionado à busca pelo poder.
Do século XIV em diante, enquanto toda a Europa estava dilacerada ou
por conflitos territoriais ou por conflitos religiosos (como Guerra
dos Trinta Anos, de 1618 a 1648), os originariamente 8 cantões da
Antiga Confederação Helvética eram um microcosmo de paz e
prosperidade.
    Sim, dentro desses cantões também havia diferenças religiosas, mas sua
população, em vez de guerrear entre si, preferiu um acordo: fizeram um
pacto de mútua assistência militar para proteger a neutralidade da
região e sua paz.
    O Sacro Império Romano-Germânico havia concedido a essa comunidade de
cantões a imediatidade imperial, o que significava que os cantões
estavam livres do domínio do Império (eram autônomos) ao mesmo tempo
em que faziam parte dele. Considerando-se que as realezas européias
extraíam volumosas quantias de impostos de seus súditos para financiar
suas guerras que duravam décadas, ser um suíço àquela época era
comparável a viver no primeiro genuíno paraíso fiscal da história.
    Mais ainda: por qualquer ângulo que se olhe, as seguidas destruições
que ocorriam em toda a Europa (estado fazendo estatice) faziam com que
as eventuais diferenças que havia entre os cantões suíços parecessem
totalmente insignificantes.
    Posteriormente, as diferenças religiosas começaram a crescer também na
Suíça, gerando conflitos entre os cantões católicos e os cantões
protestantes. Cada um desses conflitos teve seus vencedores, mas,
mesmo assim, nenhum deles conseguiu impor uma verdadeira mudança de
regime, uma vez que os cantões eram diversos demais para serem
governados centralizadamente. Os governos cantonais simplesmente se
recusavam a cooperar entre si. Um governo cantonal não seguia ordens
de nenhum outro governo cantonal. A única política com a qual todas
concordavam era a política externa de neutralidade, a qual acabou por
poupar o país de todas as guerras.
    Já cotejando com o exemplo brasileiro, por aqui se acredita piamente
em um governo centralizado onde supostamente um órgão parlamentar vai
representar simultaneamente os interesses de seringueiros do Acre,
pecuaristas mineiros, petroleiros do RJ e metalúrgicos do ABC... cada
qual com seu sotaque e componente cultural distinto. Ninguém conseguiu
pacificar os interesses de tão heterogênea população nos últimos
séculos, e cada grupo promoveu seu próprio golpe afim de ocupar o
cobiçado poder central, o qual sequer deveria existir.

    Voltando ao exemplo, o presidente da Suíça não tem praticamente nenhum
espaço nas discussões políticas e econômicas que ocorrem no país.
Portanto, se você não sabia quem é o presidente da Suíça, não se
preocupe; vários suíços também não sabem.

O localismo funciona na Suíça

    Os cantões suíços são os responsáveis pelo equilíbrio da política: os
cantões conservadores são todos aqueles que estão fora das grandes
cidades, como Zurique, Genebra e Berna (a capital). A população das
comunidades menores rejeita a ideia de ter um governo distante e
centralizado em uma capital nacional. Como resultado, os suíços
continuamente rejeitam propostas progressistas, como a de abolir a
energia nuclear e a de usufruir uma renda garantida de 2,5 mil francos
suíços mensais para cada cidadão. Mais de 75% dos suíços foram contra
a medida.
    Essa propensão ao localismo seria consideravelmente mais difícil não
fosse o sistema de democracia direta, muito comum na confederação.
Todas as leis federais são submetidas às quatro etapas abaixo:
1. Um projeto de lei é preparado pelos especialistas na administração federal.
2. Esse projeto de lei é apresentado para um grande número de pessoas
por meio de uma pesquisa de opinião: governos cantonais, partidos
políticos, ONGs, associações da sociedade civil podem comentar sobre o
projeto de lei e propor mudanças.
3. O resultado é apresentado a comissões parlamentares dedicadas ao
assunto nas duas câmaras do parlamento federal, é discutido em
detalhes a portas fechadas e finalmente é debatido em sessões públicos
em ambas as câmaras do parlamento.
4. O eleitorado possui o poder final de veto sobre o projeto de lei.
Se qualquer pessoa conseguir encontrar, em três meses, 50.000 cidadãos
dispostos a assinar uma petição pedindo um referendo sobre esse
projeto de lei, um referendo será marcado. Para que um referendo seja
aprovado, o projeto de lei precisa ser apoiado apenas pela maioria do
eleitorado nacional, e não pela maioria dos cantões. É comum a Suíça
fazer mais de dez referendos em um determinado ano.
    Tais referendos explicam por que o Conselho Federal é formado por
partidos da situação e da oposição: se não houver consenso, a oposição
pode usar a iniciativa popular (referendo) para derrubar qualquer
decisão tomada em nível nacional.
    O fato é que, entre 1893 e 2014, apenas 22 de 192 iniciativas
populares foram aprovadas pelos eleitores.  A reticência com que essas
iniciativas são recebidas pelos suíços indica prudência da parte dos
eleitores e aversão a leis criadas centralizadamente.
    E no Brasil? No Brasil tivemos uma dúzia de constituições desde o
império entre as promulgadas e as outorgadas, e a última parece uma
colcha de retalhos por conta das emendas constitucionais em cima de
emendas constitucionais, chegando até a culminar no curioso fenômeno
das emendas constitucionais inconstitucionais. Por aqui em 2019 o STF
ainda não tinha chegado a um veredito sobre a constitucionalidade do
processo que levou ao plano real. Segurança jurídica pra quê?

    Então o resumo até aqui nos permite constatar que:
* os países nórdicos tem diversas especificidades, uma população muito
menor culturalmente homogênea, além de territórios bem menos extensos
que o nosso. A cultura, a ética e a moral marcadamente luteranas não
são componentes que se possa replicar com um control c control v;
* Conforme o que também acontece com japoneses, a cultura dos
escandinavos acompanha os escandinavos mesmo fora da Europa, o que
resulta que eles sejam uma das populações mais ricas e produtivas,
mesmo nas Américas;
* Alguns exemplos nórdicos são de replicação ainda mais difícil por
serem países que literalmente boiam em petróleo... (o RJ mesmo boiando
em petróleo nos mostrou o que acontece quando gestores brasileiros
estão em posse de tal recurso);
* Os gastos sempre crescentes dos estados norte europeus resulta em
uma armadilha demográfica, mostrando que mesmo em contextos onde as
variáveis ajudam o assistencialismo, este não é sustentável a longo
prazo;
* Os países nórdicos enriqueceram partindo de um modelo econômico
livre, acumulando riqueza que possibilitou a aparição de uma máquina
estatal custosa... já o pensamento brasileiro que inverte causa e
consequência diz que basta ter uma máquina estatal inchada para
virarmos a Dinamarca;
* Se você tem um estado cuidando de escolas, universidades, saúde,
aposentadorias, pensões, esportes, cultura, lazer, filmes nacionais,
teatro, subsídios tanto para pequenos agricultores quanto para
megaempresários, benefícios assistencialistas de todos os tipos
(Bolsa-Família, BPC (ou LOAS) etc.), estradas, portos, aeroportos,
Correios, eletricidade e petróleo, e criando uma crescente oferta de
empregos públicos pagando altos salários, esse arranjo só irá durar
enquanto o número de pessoas produtivas — isto é, aptas a serem
tributadas — for crescente.
* Defender que Brasília possa se apropriar de cada vez mais recursos
dos indivíduos significa defender um sistema onde teoricamente todos
os indivíduos são burros (talvez um pensamento derivado de uma vaidade
patológica), e por que as pessoas são burras elas precisam ter seus
bens confiscados e geridos por Sarney, Calheiros, Collor e ACM, que
nesse sistema hipotético não só são bons gestores como também pessoas
que você confiaria para guardar sua carteira;
* Um projeto de bem estar brasileiro já é praticado, e o Brasil
estoura o orçamento para financiar desde propagandas políticas na TV à
acessores para ex-presidentes, fora estatais que usam dinheiro público para
fabricar camisinhas no Acre ou bolsas para pesquisa de comportamentos
sexuais nos banheiros públicos. Será que os indivíduos devem ter uma
parte ainda maior da sua renda confiscada para sustentar um tal
sistema? A lógica faz crer que não;
* enfim, diferentemente do Brasil, há muito mais liberdade para
empreender na Escandinávia, o que por hora ainda garante uma breve
sobrevida aos famosos gastos governamentais. Não obstante, há
certamente práticas salutares desses países a serem tentadas no Brasil
a começar por oferecer um ambiente econômico e jurídico que não fosse hostil
com a formação de riqueza;
* Sem os fatores que permitem os nórdicos serem os nórdicos, a última
coisa que nos faria ser tão ricos quanto eles seria gastar como A
Suécia ou a Noruega, países com massivo capital acumulado ou que boiam
em petróleo. Aliás, nem precisamos ir muito longe pra descobrir qual
fim leva um país pobre e populista onde autocratas gastam o dinheiro do
petróleo como se não houvesse amanhã.

Thursday, May 16, 2019

Cultura pop, Raul Seixas e patrulha ideológica.

    Há um fenômeno bastante comum em meio aos movimentos políticos idealistas que querem a todo custo incendiar a ordem vigente. Trata-se de um sentimento de urgência, uma necessidade de mudar o mundo para ontem, geralmente colocando a mudança como a meta em si sem dar atenção para os resultados realizáveis. Tal se deu na revolução francesa, na soviética, na revolução cultural da China e em muitas outras que compartilham o mesmo gene. Talvez o termo que melhor defina esse fenômeno seja revolucionar por revolucionar.
    Hoje um dos campos mais visados por esses arquitetos das transformações sociais é o campo do entretenimento. Em prol da ideologia, estabelecem-se critérios daquilo que é publicável ou não, consumível ou não, num cenário onde qualquer comparação com 1964 passa a ser bem mais que liberdade poética.
    Ao fim da ditadura militar, quem chegou a trazer essa ideia da mídia como a nova força responsável pela censura foi justamente o saudoso Raul Seixas, que aliás era um indivíduo que podia falar de censura com muito conhecimento de causa. Contemple a letra de uma de suas últimas gravações e então observe o grau de insatisfação que o cantor manifestava àquele tempo:

O Best Seller do momento
É um livro agourento
Que ninguém entende mas
Todo mundo quer ler
Ler pra ter cultura
e como acabaram com a censura
A mídia agora é o nosso Aiatolá
***
Ah, mas não se importe não
No final o bandido casa com o mocinho
E o Best Seller vai pra milésima edição
***
Se já não existe inteligência
Então vamos bater continência
pra esse indício De resquício militar
(um, dois, três, quatro)
E como é tudo a mesma merda,
Antes que chegue a vida eterna
Eu vou pedir asilo ao Paraguai
(trechos da música Best Seller presente no último disco de Raul Seixas e Marcelo Nova - A Panela do Diabo 1989).

    Além de contestar o papel da mídia como o Aiatolá de 1989, a angústia de Raul quanto ao controle ideológico de suas obras foi representada em diversas letras de sua carreira em diversos momentos diferentes, antes ou depois da ditadura. Outro exemplo é o protesto na famosa letra do carimbador maluco de 1983:

Plunct Plact Zum
Não vai a lugar nenhum!!
Tem que ser selado,
registrado,
carimbado,
avaliado,
rotulado
se quiser voar!
Se quiser voar.

    Graças a outras formas de controle ideológico, o fato de ter saído de uma censura governamental não resultou em um estado satisfatório para esse pioneiro do rock. Tendo isso como pano de fundo, pergunta-se: -- Como então ele avaliaria o atual grau de imposição da militância politicamente correta na mídia atual?
    Para que não restem dúvidas sobre a condição de patrulha ideológica que vivenciamos, comecemos por exemplificar nosso raciocínio com uma polêmica recente envolvendo a atriz Scarlett Johansson. Rub & Tug seria um filme que tinha em seu enredo um protagonista trans e que seria interpretado pela mesma intérprete da viúva negra.
Parecia uma fórmula que agradaria os mais exigentes de todos os mundos... havia um protagonista trans... havia uma atriz da classe AAA de Hollywood que atuou numa equipe com um legado ainda indizível na cultura cinematográfica... tudo parecia muito bom, mas não para os patrulheiros ideológicos. Para estes o personagem deveria ser interpretado por um ator também trans.
    O resultado? Tão massiva foi a pressão que Scarlett acabou se desligando da produção e pouco tempo depois já nem se sabia se tais desventuras não resultariam no próprio cancelamento do filme.
    Encaremos a realidade. Com a participação de Scarlett Johansson o filme realmente tinha um absurdo potencial. (falo como jeek consumidor de blockbusters). Mas eu com certeza não seria o único, por que eu conheço mais gente da minha estirpe, esse público nerd pra quem qualquer filme ganha o dobro do Hype só por ter a participação de qualquer um dos vingadores. O público assistiria, a produção lucraria, sequências poderiam ser pensadas, o tema seria visto com interesse pelos concorrentes... a militância jamais reconhecerá, mas a celeuma foi um tiro no próprio pé.
    O cinema nacional por sua vez não fica longe dessas ladainhas. Veja-se a recente confusão sobre a atriz Taís Araújo no filme da "cientista" Joana D'arc Felix. A história da mulher pobre que virou PhD em Harvard (EUA), teve de ser abortada por conta de um descontentamento em comunidades, grupos e redes sociais. Pessoas alegaram que o tom de pele de Taís seria mais claro do que o da cientista, e que uma outra atriz mereceria o papel.
    Mas veja que impressionante... no decorrer da presente semana esse projeto também foi pras cucuias. Segundo apurou o jornal Estado de São Paulo, Joana D'arc teve formação exclusiva no Brasil, nunca fez um pós doutorado e jamais teve  um diploma de Harvard. Tais constatações em nada diminuem Joana como profissional, mas certamente comprometem a ideia de usá-la como modelo para pessoas pobres que pretendam estudar em Harvard.
    Soma-se a esse episódio alguns outros que já ocuparam as atenções da mídia nacional, como a importantíssima discussão da etnia de Carlos Marighella, e então a conclusão que se impõe é que a esquerda está divorciada do mundo real e atualmente se ocupa de discutir o sexo dos anjos.
    Curiosamente, o imediatismo e falta de paciência são os verdadeiros inimigos da esquerda, e não um inimigo imaginário chamado fascismo. A história traz lições preciosas contra esse ímpeto revolucionário juvenil. Tal qual os franceses aprenderam, cortar a cabeça de um monarca pode ser o estopim para que surja  um napoleão ainda mais despótico.
    Ao tentar forçar uma agenda para ontem, os próprios social justice warriors possibilitam que surja uma reação com igual intensidade em sentido contrário. E não é justamente isso que está acontecendo ao redor do globo com a ascensão de bandeiras conservadoras?
    Enfim, nada nesses apontamentos conduz à conclusão de que não devem existir personagens gays na cultura pop, ou que as "minorias" devem ser esquecidas pelo bem de personagens arquetipicamente consolidados como o homem do cavalo branco que salva a donzela em apuros. O problema não reside em fazer ou não, mas como fazer.
    Um exemplo bem ilustrativo de minorias que são bem inseridas e com bons resultados vem dos livros de Percy Jackson do autor Rick Riordan, do qual sou grande fan. A título de exemplo, no universo de Riordan já fomos apresentados a Nico di Angelo, um personagem filho de Hades que tem um romance com um outro semideus filho de Apolo. Aliás, o próprio Apolo é retratado como um deus que já experenciou vários romances ao longo das eras indistintamente com homens e mulheres. Na saga dos deuses nórdicos do mesmo autor também somos apresentados a uma filha de Loki que oscila entre os dois sexos, fora outra protagonista adepta da religião islâmica que passa por várias dificuldades por ter que vivenciar suas aventuras durante o mês do Ramadã, experimentando uma certa vulnerabilidade nas batalhas devido ao jejum.
    Mas vejam só que interessante. A primeira vista os conservadores mais desavisados podem achar essa descrição lotada de lacração até o talo, mas todos esses elementos funcionam e estão muito bem posicionados dentro daquele universo. Como mencionado, condições dos personagens como a necessidade de jejuar no Ramadã ou a sexualidade (Originalmente na mitologia nórdica Loki também era um deus metamorfo de sexualidade fluída), são trazidas ao enredo servindo a um propósito que enriquece a história.

    O mundo mudou. Hoje Jim Parsons recebe a bagatela de um milhão de dólares por cada episódio de Big Bang Theory, e o fato do ator ser gay não impediu que além do salário milhonário ele fosse o protagonista do maior sucesso de audiência da TV americana dos últimos 12 anos, com números que batem inclusive Game of Thrones.
    O ponto é... ao passo que vemos de um lado uma militância de esquerda insatisfeita por que uma atriz não tem tanta melanina como eles gostariam, ou qualquer problematização hiperbólica que eles gostam, também há por parte de uma ala direitista a errônea percepção de que qualquer inclusão de uma minoria tem que ser denunciada como tentativa de patrulha esquerdista. Da minha perspectiva tratam-se de grupos equivocados que fariam melhor em tentar avaliar a qualidade de um produto pelo conjunto da obra e não exclusivamente por critérios políticos prefixados.
    Se havemos de discutir a sério questões como as liberdades de pessoas gays, que ao menos se reconheça o óbvio: o bem estar de um homossexual aumenta exponencialmente tanto mais o país que ele vive se aproxime do liberalismo. Cuba está lá que não me deixa mentir.
    Enfim, essas breves considerações estão longe de esgotar o assunto. Tenho esperança de com esse texto ter causado reações despudoradas tanto à direita como à esquerda.

Tuesday, May 14, 2019

Delações com ainda mais motivos pra sentir pelo estado um ódio mortal.

“A visão do governo sobre economia pode ser resumida em frases curtas: se a coisa se move, taxe-a; se continuar em movimento, regule-a; se ela parar de se mover, subsidie-a.”
Ronald Reagan.

    O Brasil não necessita de uma reforma, o Brasil precisa ser extinto. Nada ou quase nada se aproveita dessa entidade que convencionamos chamar de nação. Claro que alguns cenários quase milagrosos poderiam ter um impacto positivo na nossa realidade, como a hipótese de uma entidade benevolente apagar da existência tanto Brasília quanto seus dirigentes.
    O diagnóstico desalentador é em parte efeito da mais recente delação premiada que sacudiu a república. Nela Henrique Constantino relata diversos pagamentos ilícitos a figurões de diversos partidos, desde Rodrigo Maia do PMDB até os tradicionais políticos petistas Pimentel e Vicente Cândido. Este último aliás foi apontado como partícipe em um esquema espúrio envolvendo um esquema de um dos filhos de Lula na liga brasileira de futebol americano.
    O fato dessa delação possuir conexões com o mundo do esporte traz à memória outros episódios vergonhosos da história recente, principalmente de quando sediamos as olimpíadas e a copa do mundo. Os gastos com estes dois eventos são calculados em mais de 66 bilhões de reais, dos quais a destinação para fins escusos é ainda desconhecida. A propósito, tal horrenda cifra foi desperdiçada precisamente durante um dos períodos de mais acentuada crise nas finanças brasileiras que acumulava déficits, desemprego e inflação galopante.
    Os escândalos chamam particularmente a atenção tanto pelas fraudes praticadas como pela óbvia destinação equivocada de recursos escassos. Uma dessas políticas equivocadas foi a distribuição de dinheiro público para mais de 20 times de futebol que foram patrocinados com uma verba milionária pela caixa desde 2012.
    Aliás, a caixa não é reconhecida por fazer investimentos lá muito sensatos ao escolher os destinatários dos seus patrocínios, como o cinema hipster de André Sturm (sempre a beira da falência) e o blog lulista de Paulo Henrique Amorin, que são exemplos inequívocos de investimentos com motivação exclusivamente política. Além dos patrocínios propriamente ditos, repousa sobre a caixa certas suspeitas quanto a contratos feitos sem licitação, como o realizado com a processadora de cartões pré-pagos HUB, empresa de Carlos Wizard, amigo de Lula.
    Diante da magnitude desses desvarios intervencionistas, concluir que as empresas estatais deveriam ser privatizadas é um raciocínio quase elogioso. Na verdade tais antros de corrupção deveriam ser dados gratuitamente para o primeiro sem juízo que resolvesse por a mão nessa latrina.

Tuesday, May 7, 2019

Cotas no cinema nacional e os delírios messiânicos de uma esquerda anacrônica.

    Em publicação denominada Cineastas brasileiros veem "selvageria" na estratégia de "Vingadores", diversos produtores nacionais apresentaram queixas quando viram o lançamento do último filme da Marvel alcançar 80% das salas de cinemas. Mariza Leão, produtora do filme brasileiro De Pernas Pro Ar afirma categoricamente que é um absurdo não haver uma regulação para um limite de ocupação das telas. Ela prossegue: — Isso é um discurso liberal "pra boi dormir", porque se você tem um estado que fomenta [o cinema], uma indústria em atividade, que gera riqueza e imposto, você vai deixar a permanência de um filme brasileiro à mercê dessa selvageria do mercado? É absolutamente inaceitável.
    Um dos que opinou sobre a polêmica foi o cineasta André Sturm, que já apareceu outras vezes defendendo um viés nacionalista no entretenimento. Segundo ele: essa exploração do mercado "vai contra qualquer princípio de concorrência, direito do consumidor, de mercado".
— Precisa de tanta sessão por que tanta gente quer ver o filme ou tanta gente vai ver o filme por que tem tanta sala? É só pensar: o cara vai ao cinema e vai ver Vingadores. É óbvio, porque só tem Vingadores. Claro, o filme tem apelo, mas também não tem concorrência — ele diz.

Nesse comentário o cineasta demonstra todo o seu ressentimento pelo fato de que a apreciação subjetiva dele próprio não é a regra entre os consumidores. No mundo idealizado por Sturm o filme Raiva seria muito mais prestigiado do que a capitã Marvel, como pode se constatar em em uma de suas publicações na Folha de São Paulo. Adicionalmente, no mesmo artigo Sturm faz a apologia do cine Belas Artes, gerenciado por ele mesmo, que outra vez estava prestes a fechar por ser economicamente inviável.

    Obviamente não se trata a questão de uma meia dúzia de opiniões isoladas. Em seu perfil no Facebook, o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, cujo filme “Bacurau” foi selecionado para a mostra competitiva do Festival de Cannes, publicou um comentário em que faz menção à uma regulamentação agora extinta.
“‘De pernas pro ar 3’ estava dando dinheiro. Quando o mercado corre sem lei, sua lógica é a de subtrair para ganhar, e não a de somar com diversidade. Os dois filmes poderiam ir bem, sem desequilíbrio”.
    Também Daniel Caetano, presidente da Associação Brasileira de Cineastas, declarou que a regulação é necessária e ajuda o mercado a funcionar, sendo construída em conjunto com os agentes desse mercado.
“Eu entendo que o mercado tenda a esse modelo, mas acredito que faz parte das funções do governo criar mecanismos regulatórios que evitem que as leis de mercado acabem canibalizando o próprio mercado”, comentou ele sobre a situação causada pela estreia de “Vingadores: Ultimato” no Brasil.

    A cereja do bolo é a publicação do Portal Vermelho. Inclusive vamos fazer uma citação maior da embaraçosa argumentação do artigo, que poderá ser lido na íntegra na lista de links no rodapé:
            ///
O diretor Halder Gomes escreveu no Facebook que seu filme Cine Holliúdy 2: A Chibata Sideral, que vinha fazendo grande sucesso no Nordeste, aproximando-se dos 200 mil ingressos vendidos, foi retirado de várias salas cearenses, trocado pelos Vingadores.

Uma tamanha concentração do mercado afeta não apenas os filmes brasileiros, mas toda a produção cinematográfica não-hegemônica, venha ela do México ou da Coreia, da Noruega ou do Capão Redondo. O público perde em diversidade, a cultura fica mais pobre.

Haverá quem diga que os filmes brasileiros, com exceção das comédias globais e de alguns dramas religiosos, já vinham sendo vistos por pouca gente. É verdade. Nos últimos anos assistimos a um fenômeno curioso: certos filmes brasileiros, como Gabriel e a Montanha, As Boas Maneiras e, agora, Los Silencios parecem encontrar maior receptividade na Europa do que nos nossos cinemas.

Seria exaustivo tentar explicar as razões disso, que vão desde a concentração das salas exibidoras em shopping centers e multiplexes distantes dos bairros mais populares até o preço dos ingressos, passando por uma certa uniformização do gosto de uma classe média tradicionalmente refratária ao cinema nacional. Com tanta oferta de filmes e séries pelos serviços de streaming e video on demand, é compreensível que muitos espectadores só queiram sair de casa para experimentar no cinema o prazer imediato e sensorial dos efeitos especiais, do 3D, do som Dolby não sei das quantas.
            ///

    Como se observa, segundo o pensamento dominante entre a classe artística e os veículos de esquerda é possível sintetizar o seguinte:
* o consumo de blockbusters deveria ser diminuído, talvez para 0;
* os filmes do circuito alternativo deveriam ser mais consumidos, inclusive por pessoas que nunca mostraram interesse por eles;
* a produção desses filmes alternativos deveria ser financiada com dinheiro público;
* além de o dinheiro público pagar pela produção, os cinemas não deveriam se preocupar com bilheteria, e o estado os deveria salvar assim que o projeto fracassasse;
* há uma classe com uma missão messiânica, artistas e suas conexões políticas, que sabem melhor do que você  (gado) o que você deve financiar com seus impostos e o que você deve consumir, e até o que deveria deixar de ser consumido, e quem discordar será prontamente rotulado de alienado.

    Além das opiniões emitidas, a própria linguagem utilizada pela classe artística parece ter saído de algum manual do PSOL. Veja-se declaração de Diego Benevides, também membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine): “É um monopólio que prejudica o que está ao redor, antes e depois de uma estreia desse porte, passando por cima inclusive do espaço já pequeno para obras brasileiras e filmes que se preocupam com o pensamento artístico, restritos às salas ditas “menores” (que de menores não têm nada, pois são lugares de RESISTÊNCIA)”. 

    Resistência? O problema que se impõe é evidente: Deveria de fato o povo brasileiro, que ainda não superou problemas de grande magnitude como saneamento básico, ser obrigado a financiar por meio de impostos uma produção que vai ter como resultado um grupo de indivíduos inteligentinhos se dando tapinhas nas costas em algum festival na Europa e ganhando parabéns pela resistência contra a opressão?
    Por outro lado, é bem verdade que o fato de um filme ser nacional também não diz nada sobre ele ser preterido pelo público. Filmes como Minha Mãe é uma Peça 2, Dona Flor e seus dois maridos e Tropa de elite 2 são filmes nacionais que ultrapassaram a impressionante marca de dez milhões de ingressos vendidos. Como comparação, até 26/04 o filme da Capitã Marvel chegava a pouco menos de 9 milhões de ingressos no Brasil. Na mesma data, o filme SHAZAM!, outro filme de heroi chegava a 2,61 milhões de ingressos no país. Por sua vez, Thor Ragnarok saiu de cartaz com 3,38 milhões de ingressos vendidos, menos que os 5 milhões de os dois filhos de Francisco.
    Repito e enfatizo: mais brasileiros foram ver o filme da dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano do que alguns dos filmes de maior sucesso da Marvel. Há então como estabelecer de forma objetiva que filmes brasileiros são sempre preteridos pelo público? Os números mostram outra coisa. Quando o público se interessa pela produção, o público comparece ao cinema independentemente de cotas de salas ou de qual seja a produtora, seja ela Globo, Warner Bross, Disney ou Marvel.
    Os artistas inteligentinhos entusiastas do cinema alternativo deveriam primeiramente se perguntar a razão dos seus filmes não superarem sequer as boas marcas do cinema nacional... aliás, muito longe disso, por vezes os filmes desses circuitos sequer batem 10% do público de um Tropa de Elite. 
    Curiosamente, as vezes aparece alguém da esquerda artística como Mano Brown alertando que essa esquerda já de muito tempo perdeu o contato com a periferia. Não é estranho portanto que protestos contra Jair Bolsonaro sejam frequentados por pessoas predominantemente das classes altas, ou que protestos como a marcha das mulheres nos EUA contra Trump cheguem a ser cancelados por "excesso de mulheres brancas". Tal divorciamento da realidade continuará enquanto essas lideranças de esquerda insistirem numa autoimagem messiânica que deve guiar as massas para a salvação.

    Para concluir, a situação vai de mal a pior. Hoje 07/05 surgiu a notícia de que o governo federal vai reinstituir as cotas para o cinema nacional. Isso contraria frontalmente o que os brasileiros vem expressando contra tópicos como Lei Rouanet e assimilados, inclusive manifestando tal posicionamento nas urnas.

Reportagens mencionadas:

Marcha das Mulheres é cancelada por ser 'branca demais' na Califórnia
https://oglobo.globo.com/sociedade/marcha-das-mulheres-cancelada-por-ser-branca-demais-na-california-23337510

Eleições 2018: elite de esquerda era maioria em protesto #EleNão contra Bolsonaro em SP, aponta
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45702409

Filme 'O Confeiteiro' narra amor gay nascido da relação com a comida
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/03/filme-o-confeiteiro-fala-de-perda-e-de-sexualidade.shtml

Vingadores tira filme nacional de cena e ocupa 80% das salas de cinema brasileiras
http://blogs.opovo.com.br/reporterentrelinhas/2019/04/25/vingadores-tira-filme-nacional-de-cena-e-ocupa-80-das-salas-de-cinema-brasileiras/

Cineastas brasileiros veem "selvageria" na estratégia de "Vingadores"
https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/cinema/noticia/2019/04/cineastas-brasileiros-veem-selvageria-na-estrategia-de-vingadores-cjv1m5etx01n701nwmxgqplo7.html

Invasão cultural: 80% das salas de cinema no Brasil exibem Vingadores
http://www.vermelho.org.br/noticia/320142-1

Cineastas brasileiros protestam contra “Vingadores: Ultimato” ocupando 80% das salas do País
http://www.osul.com.br/cineastas-brasileiros-protestam-contra-vingadores-ultimato-ocupando-80-das-salas-do-pais/

a raiva contra a capitã marvel
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/03/a-raiva-contra-a-capita-marvel.shtml

Uma posição libertária sobre censura e controle estatal da internet.

    Esquentou nessa semana uma outra etapa da crise institucional instalada no planalto, dessa vez tendo como pano de fundo o controle estatal sobre publicações e instituições privadas na internet.
    O assunto não é inédito. Anos atrás agrupamentos pró privacidade na internet, como o partido pirata, avisavam que o marco civil da internet poderia gerar todas as facilidades que o governo precisaria para fazer controle e censura online, coisa que certamente o governo tinha todo o interesse em fazer. Aliás este era apenas um dos segmentos que o governo visava controlar, tendo na época ensaiado diversas vezes os projetos de controle social da mídia.
    Agora veio a tona a polêmica envolvendo o General Santos cruz e o humorista Danilo Gentili. O general defendia uma legislação "contra abusos" na internet enquanto que o comediante via nessa iniciativa mais uma evidência de uma ferramenta a ser utilizada para perseguições arbitrárias, assunto do qual ele entende. o que de relevante fica é o assunto que foi descortinado sobre os potenciais controles ideológicos que podem vir dessa legislação, e o apoio que ela vem recebendo de alguns "liberais".
    Nos dias que se passaram Eduardo Bolsonaro publicou uma enquete pedindo um posicionamento sobre leis estatais que fizessem um controle da internet e das redes sociais. A enquete felizmente encerrou demonstrando que para cada uma pessoa favorável à lei haviam duas outras contrárias. Subsequentemente Jair Bolsonaro publicou em seu twitter que o estado não faria uma lei nesses moldes, e quem ficasse contrariado fosse fazer um estágio na Coreia do norte.
    O que é perturbador em todos estes acontecimentos é o fato de alguns conservadores terem visto nesse episódio uma chance de se proteger contra expulsões arbitrárias que pessoas de direita vem sofrendo em plataformas como facebook.     Curiosamente, tais conservadores estão instando que o estado interfira nas empresas privadas afim de lhes proteger do despotismo. Irônico, não?
    A posição deles é insustentável. O argumento da quebra de contrato, por exemplo, se for um argumento tão bom quanto se espera, então já encerra a possibilidade da lide ser judicializada para que o facebook cumpra com as próprias cláusulas contratuais, não sendo para isso necessário uma nova lei.
    A síntese de tudo é que a proposta quer criar uma "neutralidade" quanto as posições políticas das empresas, afim de que uma pessoa conservadora não sofra discriminação por parte dos sensores da plataforma. No entanto, os conservadores deveriam ter outra compreensão sobre o direito que cada um deve ter de discriminar outros indivíduos.
    Sim, encare isso de uma vez por todas: -- Todos nós somos discriminadores! Nós fazemos discriminação entre pessoas na hora de escolher relacionamentos, amizades, relações de consumo, religião e até pra decidir de forma unilateral quem entra ou não em nossas casas. Tolher isso seria realizar a maior das arbitrariedades. Consequentemente, tão logo o estado possa obrigar que empresas não façam filtragens da sua clientela e publicações, também estaremos a menos de um passo para que conservadores tenham que oferecer produtos e serviços para quaisquer indivíduos que o estado resolva que serão destinatários de seus produtos e serviços. Evidentemente oferecer tal poder ao estado é um feitiço que pode se virar contra o feiticeiro.
    A coisa toda encerra mais um problema. Se empresas como youtube e facebook não puderem se tornar tão ruins quanto elas tem potencial para ser, então isso macula a existência de uma seleção natural entre as empresas. Dizendo de outra forma, se da última vez que um projeto conservador enfrentou um projeto progressista os conservadores levaram a melhor, (outubro de 2018), então o facebook deve ter toda a liberdade de ignorar essa realidade e errar o quanto possa e de se sabotar o quanto possa, para que seus negócios se confinem em uma bolha progressista e uma rede social concorrente como o GAB tenha a possibilidade de enxergar essa oportunidade de negócios e de conquistar essa clientela conservadora que ficou órfã por mera politicagem do concorrente.

Friday, May 3, 2019

As estatísticas da homofobia estão te enganando.

    Recentemente o portal LIHS Liga humanista secular do Brasil apresentou um trabalho de revisão das estatísticas propagadas sobre a criminalidade contra a população LGBT, ou crimes de homofobia, como são conhecidos.
    A revisão conseguiu apontar várias inconsistências. Quem primeiramente traz as estatísticas é o Grupo gay da Bahia, dados estes que são replicados pela imprensa, propagandas políticas e até organismos internacionais. Em que pese toda essa credibilidade a LIHS conseguiu demonstrar que os dados acabam atingindo um índice de veracidade apenas de 9%.
    São diversos os problemas com os números do GGB, começando do fato de que a motivação para os crimes nem sempre é clara. Citando diretamente o artigo, podemos constatar diversas incorreções:
* um casal heterossexual supostamente viciado em drogas foi assassinado por um traficante no Ceará. Aparentemente, o caso foi incluído pelo GGB somente porque a manchete omitiu o sexo da mulher, dando a entender erroneamente que poderia ser um casal gay.
* Dos 347 casos de 2016, foram excluídos 30 da análise por serem mortes no exterior, casos duplicados ou casos em que foi impossível recuperar as fontes. Dos que sobraram, 20 casos são suicídios.
* Quanto ao suicídio, é evidente que, nem sempre que um LGBT se mata, é possível afirmar que a causa primária de sua decisão é a homofobia. Suicidas geralmente sofrem de depressão, que é em si a causa imediata de sua morte. Certamente é um tema importante descobrir com que frequência a homofobia causa depressão e suicídio, mas é quase sempre impossível separar suicídios motivados por homofobia de suicídios de LGBT motivados por outros problemas, ao menos que haja alguma evidência como uma carta de despedida em que o suicida o diz explicitamente.
* Além dos suicídios, foram excluídos também casos cuja inclusão no estudo original é inexplicável: seis mortes acidentais, o afogamento do diretor de teatro Glauber Teixeira, um caso de agressão em que a vítima sequer morreu (a estatística é sobre mortes), um caso de morto em incêndio sem suspeita de crime, doze mortes suspeitas em que não é possível afirmar que houve crime, uma overdose, entre outros.
* Outros casos incluídos são flagrantemente não motivados por homofobia. Fabiana Braz Conceição e Daniella Silva Gomes, um casal, foram mortas a tiros numa moto porque eram traficantes e disputavam com outros traficantes o controle do tráfico em sua região em Goiânia.
    Dos casos colhidos na imprensa pelo GGB, foi possível concordar somente que 31 casos foram mortes motivadas pela homofobia no Brasil. Isso significa que o relatório errou em 88% dos casos de homicídio, e que somente 9% dos dados totais para o ano de 2016 servem para fazer as conclusões que o grupo e a imprensa que o cita fazem.
Dados extraídos de:
https://lihs.org.br/sociedade/homofobia/

    Como mencionado anteriormente, a gravidade da situação reside em que estes dados do grupo gay da Bahia são adotados como estatísticas oficiais em projetos de governo, na mídia nacional e internacional, e até em organismos como a ONU. O The New York Times já chegou a noticiar a existência de uma epidemia anti-gay no Brasil, dentre outras reportagens que declaram haver um risco inerente para esse público ao viajar para o Brasil.
    Se não fosse suficiente criar uma narrativa artificial de demérito para o Brasil no exterior, as estatísticas são repetidas ad nauseam nos comícios e nas propagandas eleitorais, aparecendo inclusive na confrontação da bancada do jornal nacional para interpelar o então candidato Bolsonaro sobre políticas que deveriam nortear a administração do Brasil, já que os crimes por homofobia estariam matando uma pessoa gay a cada 19 horas.
    As constatações da LIHS não são as primeiras nem as únicas a perceber o mar de manipulação envolvendo este tipo de estatística. Em uma breve pesquisa em motores de busca pudemos encontrar publicações com conclusões parecidas, dentre elas:
Aos fatos;
https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2018/06/27/manuela-davila-exagera-ao-falar-de-homofobia-e-acerta-sobre-creches.htm
Felipe Moura Brasil/Jovem Pan;
https://jovempan.uol.com.br/opiniao-jovem-pan/comentaristas/felipe-moura-brasil/felipe-moura-brasil-jornal-nacional-deveria-se-corrigir-sobre-dado-apresentado-em-sabatina-de-bolsonaro.html
O Globo;
https://blogs.oglobo.globo.com/eissomesmo/post/checamos-verdades-e-mentiras-sobre-homofobia-e-comunidade-lgbt.html
Agência pública Brasil;
https://apublica.org/2018/08/truco-dados-sobre-assassinato-de-lgbts-sao-incompletos/
Agência Lupa;
https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2017/05/17/dia-internacional-combate-homofobia-transfobia-gay/
    Acessando a matéria da agência lupa você poderá perceber que algumas das checagens são apresentadas como verdadeiras por se apoiarem justamente nas estatísticas do GGB, o que é totalmente problemático. Além de tudo, se tomados como verdade os números colocariam a militância política em apuros maiores do que eles podem imaginar. Observe-se os números de crimes de homofobia relatados pelo GGB no link da agência lupa em anos distintos: 2016 343; 2010 260; 2000 130.
Haveria portanto a necessidade de questionar a razão por detrás da piora nos índices, por tratar-se de período de viés marcadamente progressista, senão vejamos:
* nesse período tivemos governos petistas na maior parte do tempo 2002 à 2016;
* O STF nesse período legalizou a união homoafetiva;
* LGBT's puderam utilizar nomes sociais em órgãos públicos;
* o primeiro beijo gay foi exibido em horário nobre na maior emissora do país.
* o período foi marcado por intensos debates no legislativo sobre uma legislação LGBT com a atuação de um deputado abertamente gay e militante, fato até então inédito no Brasil.
    Isso posto, o período 2000/2016 encerraria um paradoxo... seria impossível determinar se políticas progressistas estão facilitando ou dificultando a vida do próprio público alvo.
    Fora o problema com as estatísticas, chega a ser quase impossível defender certas publicações da mídia da acusação de militância partidária e fraude. Um caso ilustrativo é o do adolescente Peterson Ricardo de Oliveira, de 14 anos, cuja morte foi amplamente noticiada como sendo de homofobia, para ser logo depois desmentida, como se pode atestar nos links abaixo:
Morte de filho de casal gay em SP reafirma a importância da educação para a diversidade
https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2015/03/morte-de-filho-de-casal-gay-reafirma-a-importancia-do-combate-a-homofobia-nas-escolas-2708.html
Portal Vermelho: Contra homofobia, CTB quer rigor na apuração da morte de garoto em SP
http://vermelho.org.br/noticia/260402-8
Morre filho de casal gay agredido em porta de escola - Notícias - R7 ...
https://noticias.r7.com/sao-paulo/morre-filho-de-casal-gay-agredido-em-porta-de-escola-12032015
Morre adolescente que teria sido agredido por ter pais gays
https://oglobo.globo.com/brasil/morre-adolescente-que-teria-sido-agredido-por-ter-pais-gays-15548933

    Agora a retratação:
Laudo aponta que filho de casal gay morreu de causas naturais, diz polícia
http://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2015/03/laudo-aponta-que-filho-de-casal-gay-morreu-de-causas-naturais-diz-policia.html
Laudo nega homofobia e diz que Peterson teve morte natural
http://www.esquerdadiario.com.br/spip.php?page=gacetilla-articulo&id_article=292
    O link do esquerda diário demonstra absoluta convicção de que o laudo mente, que a morte foi provocada por uma agressão, e que a agressão foi efetivada por que os pais do garoto eram gays. Tanta convicção só pode vir da estatística de que o Brasil pratica um crime de homofobia a cada 19 horas, mesmo a estatística sendo obviamente insustentável.

    Para nós adeptos da ética libertária não há relativismo. Um assassinato é um assassinato, uma violação da ética é uma violação da ética. Quando você tira a vida de um indivíduo pacífico você deve ser condenado, quiçá com a pena de morte, independentemente do seu crime ser contra uma pessoa trans ou não. Infelizmente, uma defesa tão incisiva do direito de todos não serem agredidos não é compartilhada por muitos defensores de minorias, e se você afirmar a obviedade que todas as vidas importam você pode ser ridicularizado e sofrer algum tipo de agressão por não andar segundo a cartilha.
    Ainda assim, o Brasil é um país com 60 mil assassinatos por ano, e só um milagre seria capaz de impedir que essa onda de violência fira alguma minoria pelo caminho. Agora, se há uma solução para o problema da violência, (alguma solução mais confiável que as estatísticas da GGB), então que se adote urgentemente essa solução em favor da menor das minorias, o indivíduo.
    Para os adeptos do "vamos criar uma lei", sugiro que o código penal passe a prever para a lesão corporal a pena de 400 anos de prisão cumulada com multa seguida de morte, com acréscimo de 232% em caso de reincidência.

links mencionados:
Após dizer que ‘todas as vidas importam’, David Brazil tem carro riscado com a palavra ‘racista’
https://conexaopolitica.com.br/ultimas/apos-dizer-que-todas-as-vidas-importam-david-brazil-tem-carro-riscado-com-a-palavra-racista/

#loveislove: É verdade que ‘um LGBT é assassinado no Brasil a cada 25 horas’?
https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2017/05/17/dia-internacional-combate-homofobia-transfobia-gay/

Dados sobre assassinato de LGBTs são incompletos
https://apublica.org/2018/08/truco-dados-sobre-assassinato-de-lgbts-sao-incompletos/

Checamos verdades e mentiras sobre homofobia e a comunidade LGBT
https://blogs.oglobo.globo.com/eissomesmo/post/checamos-verdades-e-mentiras-sobre-homofobia-e-comunidade-lgbt.html
Felipe Moura Brasil: Jornal Nacional deveria se corrigir sobre dado apresentado em sabatina de Jair Bolsonaro
https://jovempan.uol.com.br/opiniao-jovem-pan/comentaristas/felipe-moura-brasil/felipe-moura-brasil-jornal-nacional-deveria-se-corrigir-sobre-dado-apresentado-em-sabatina-de-bolsonaro.html


Homofobia mata
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/02/homofobia-mata.shtml
Manuela exagera sobre Brasil "campeão" de homofobia e acerta sobre creches
https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2018/06/27/manuela-davila-exagera-ao-falar-de-homofobia-e-acerta-sobre-creches.htm

Principais estatísticas brasileiras de morte por homofobia são falsas, conclui checagem
https://lihs.org.br/sociedade/homofobia/

LGBT travelers to Rio for Olympics need to be careful
https://www.outsports.com/2016/7/7/12110164/lgbt-travelers-to-rio-for-olympics-need-to-be-careful

Brazil Is Confronting an Epidemic of Anti-Gay Violence
https://www.nytimes.com/2016/07/06/world/americas/brazil-anti-gay-violence.html

Com apoio da ONU, 2º Festival Internacional de Cinema LGBTI começa na quinta-feira (22) em Brasília
https://nacoesunidas.org/com-apoio-da-onu-2o-festival-internacional-de-cinema-lgbti-comeca-na-quinta-feira-em-brasilia/

Dicas do direito com o Canal Intimados

Olá amigos, tudo bem? Quero orgulhosamente anunciar que estou investindo em um novo projeto que é o Canal Intimados. Nosso canal tem a propo...