Wednesday, March 20, 2019

Menos Dilma, mais Betina. A mentalidade anticapitalista no Brasil.

    O caos não é um abismo. O caos é uma escada. Muitos que a tentam escalar, falham e nunca mais tentam de novo. A queda quebra eles. E a alguns é dada a chance de subir, eles se agarram ao reino ou aos deuses ou ao amor. Apenas a escada é real. A escalada é tudo o que existe.
Game of Thrones , Petyr Baelish.

    A famosa frase "o caos é uma escada" me voltou à mente quando eu estava fazendo um retrospecto da economia do governo Dilma. Ao contemplar o estado lastimável que o Brasil se encontrava poucos anos atrás a visão do caos como escada era uma ilustração bastante adequada, com a diferença que a escada brasileira só apresentava uma direção descendente.

    Hoje essa revisitação do nosso passado recente é bem justificada, tanto mais se pensarmos que na presente semana o índice bovespa atingiu a marca histórica de 100 mil pontos, o que equivale a um outdoor brilhante e gigantesco gritando para os investidores: compre bovespa!
    E como eu sei isso? Ora, eu também sou investidor, é assim que eu sei.
    Me propus a escrever o presente texto por que voltou às rodas de discussão o tema alta da bovespa e a relação que isso tem com as pessoas comuns, o açougueiro; o padeiro; o pedreiro; e até mesmo e principalmente você.
    O nosso problema: No Brasil impera a mentalidade anticapitalista. Caso você não viva em uma bolha, você já deve ter se deparado com declarações tipo: O mercado só tem especuladores! A bolsa só interessa aos rentistas! Aliás... não tem como não escrever estas frases sem lembrar da deprimente figura de Ciro Gomes, um candidato que assustadoramente tinha chances concretas de vencer a eleição.
    Mas vamos ao que interessa. Se você não está comprado em bovespa, você ainda teria alguma razão para comemorar a atual valorização?
    Para responder a esta pergunta tentemos primeiramente explorar a hipótese oposta. Para tanto, considere que em lugar de um movimento ascendente nós embarcamos em uma tendência baixista no mercado.
    Continuando, passa-se algum tempo e você vê o ibovespa a 70 mil pontos, a 60 mil pontos, a 50 mil pontos, a 40 mil pontos...
    Me diga, qual informação você extrai desses números?
    Agora você é um saudita que está procurando diversificar seus investimentos. Você abre as cinco telas do seu computador para contemplar todos os números da economia e você se depara  com aquele quadro apresentado, qual seja, nossa bolsa de valores derretendo. O que você faz?
    Adicione outro elemento: Agora você olha em uma das telas e você encontra a bolsa de Tókyo ou alguma outra fazendo o movimento inverso... nos últimos anos a hipotética bolsa acumulou altas sucessivas e no último mês ela ultrapassou sua própria marca histórica; além disso, os analistas gráficos estão todos eufóricos com uma formidável superação de uma resistência no gráfico com força e volume acima da média.
    Pergunta-se: por qual razão você decidiria alocar seus recursos em um país com uma economia recessiva e notórios prejuízos em lugar de um em que se verifica uma economia pujante?
    É de suma importância que se responda corretamente este questionamento. Sem uma correta compreensão do que se passa no mundo real da economia diversos erros são possíveis e com consequências nefastas para todo um país. Vamos então para alguns dados afim de que o exemplo possa ser mais facilmente assimilável.
    Segundo o relatório Economática, de 2011 a 2015 as empresas brasileiras negociadas na bovespa perderam mais de 1 trilhão de dólares em valor de mercado. Na noite mais densa em meio ao governo de Dilma Rousseff o índice bovespa caiu até os 37 mil pontos, valor que equivale a quase 1/3 da sua cotação atual.
Aqui chamamos sua atenção para o exemplo trabalhado... você está diante dos números buscando chegar a uma conclusão se vale a pena ou não investir no país.
    Há ainda uma importante variável a se considerar, uma importante correlação conhecida pelos investidores entre o índice bovespa e a cotação do dólar. Via de regra a bolsa cai quando o dólar sobe e o dólar cai quando a bolsa sobe. Embora não se trate de um cálculo exato, tal se dá, por exemplo, quando investidores internacionais estão vendendo suas posições em BOVA e se posicionando defensivamente em dólares.
    A incidência desse fenômeno ficou muito bem demonstrada durante o governo Dilma. Em 2016 o portal Época negócios noticiava que O Ibovespa teve uma queda de 47,5%, enquanto o dólar se valorizou 43% em relação ao real.
    Há aqui então um critério mais facilmente assimilável para o público leigo. Quando há desvalorização do real perante o dólar existe um reflexo bastante perceptível em diversos itens da economia, desde produtos de alta tecnologia produzidos no exterior até itens básicos de subsistência como trigo e fertilizantes. Se o dólar encarece, sua carteira sofre.
    Este já deveria ser um argumento suficiente, pois se as empresas brasileiras (das quais o Ibov é um termômetro) estão atraindo investimentos externos, então devemos observar bastantes efeitos benéficos na economia, principalmente na formação de preços correlacionados ao dólar, começando do seu pãozinho francês.
    Mas a questão não se esgota por aí. Lembre-se do exemplo que ilustramos, o investidor saudita olhando os números e decidindo alocações de investimentos... quando você reconhece que não tem qualquer direito natural de exigir que ele traga investimentos ao Brasil, e que há outros países igualmente interessados em atrair recursos adicionais para suas economias, então você começa a ter um real vislumbre de como a verdadeira economia funciona.
    Vou detalhar um pouco mais o que acontece na praxe dos investimentos. Sou assinante de um relatório fornecido por uma empresa especializada em identificar oportunidades de negócios. Neste produto são elencados o que podemos chamar "critérios de excelência" que podem nortear quais empresas preenchem melhor os requisitos para atrair o seu dinheiro. São diversos os critérios e quanto mais a empresa pontua, maior as chances do seu investimento ser bem sucedido.
    A título de ilustração podemos citar o critério dividendos. Se no relatório eu constato que a empresa analisada distribui dividendos regularmente nos últimos cinco anos, então eu tenho a expectativa de que eu consiga me beneficiar desses dividendos futuramente. Isso obviamente aumenta o valor subjetivo que eu atribuo àquele ativo.
    Por outro lado, quanto mais desfavorável for o balanço geral da empresa, menor é a minha expectativa de retornos futuros com esse investimento.
    Sabendo como são os critérios que tipicamente definem os rumos do dinheiro, podemos compreender quais as razões que faziam investidores durante o governo Dilma preferirem se posicionar em dólar e não comprar o "risco Brasil". Isso decorria de um sensato ceticismo com a economia e uma salutar aversão a riscos.
    Um desdobramento dessa relação entre a fragilidade da economia e a fuga de investidores é melhor compreendida pelo rebaixamento em 2015 do Brasil pela agência de risco Standard & Poor's.
    A perda de grau de investimento significa que o país deixou de ser considerado um bom pagador, um lugar recomendável para os investidores aplicarem seu dinheiro.
    Na mesma época a desvalorização do real frente ao dólar era constante e isso encerra várias terríveis consequências, contrariamente ao que você ouviu na escola, de que é o real barato que atrai investimentos.
    Iremos aproveitar para explicar o que está por detrás do raciocínio de um operador do mercado nesse contexto: Para compreender melhor o que se passava suponha a seguinte dinâmica: você em certo momento possui um milhão de dólares e estava procurando um investimento; você consulta o câmbio brasileiro e percebe que o dólar está cotado a R$ 3,30; ao mesmo tempo você verifica que a ação do Itaú está negociada a R$ 33,00; o que você pode fazer? Trocar seu um milhão de dólares por 3,3 milhões de reais e comprar ações do Itaú. Finalmente seu patrimônio não é mais representado pela cifra de um milhão de dólares, mas por um portifólio de 3,3 milhões de reais em ações do Itaú.
    Como estamos trabalhando com as variáveis do governo Dilma considere os números já apresentados anteriormente, quais sejam: uma desvalorização de 47% do ibov (vamos supor que itub4 aconpanhou o índice e não desvalorizou nem mais nem menos), enquanto que o dólar se valorizou 43%. Quais as consequências?
    Ora, depois desse apocalipse na economia a minha posição em Itaú hoje estaria valendo cerca de metade do que valia na época da minha entrada, o que é o mesmo que dizer que no caso de venda eu posso arrecadar pouco mais de 50% do meu investimento, algo na casa dos um milhão e seiscentos e cinquenta mil reais; agora devo converter essa quantia para dólar, vez que estou fugindo do mercado brasileiro e quero retomar minha posição dolarizada, já que no meu país o real não tem utilidade.
    Mas vejam só... se antes o dólar valia 3,3 reais, hoje ele vale, suponhamos, 43,3 assumindo o cenário dilmista em que o dólar se valorizou 40% em relação ao real.
    Qual a consequência? eu precisaria de 4,3 milhões de reais apenas para trocar por dólares e voltar à minha posição inicial de um milhão de dólares, mas ao invés disso eu só possuo 1,65 milhões de reais, o que mal dá pra trocar pela terça parte dos dólares que eu tinha no início do exemplo.
    Em síntese, esse teria sido um evento catastrófico, e eu perderia dois terços do meu investimento! Não sei você, mas eu estou realmente muito feliz em não ser essa pessoa, e os investidores internacionais devem estar igualmente aliviados, pois ao terem optado por ficar fora do mercado brasileiro também comprovaram que suas decisões econômicas eram acertadas.
    Não fosse a desvalorização do real meu prejuízo hipotético poderia até ser um pouco menor, mas o que é evidente é que me expor em moeda fraca demonstrou ser um péssimo negócio, e pessoas que tem um milhão de dólares não são conhecidas por fazerem péssimos negócios com frequência. Por isso elas fogem do real como o diabo foge da cruz.

Não é espantoso portanto reconhecermos que por ignorar a psicologia e os incentivos por detrás das decisões de investidores, os políticos e burocratas acabam por sujeitar milhões de indivíduos aos efeitos mais nefastos das suas peripécias. E mais, quando a realidade se impõe eles são os primeiros a mascarar tal realidade, vendendo discursos que não tem nenhum lastro no universo dos fatos. Foi basicamente o que ocorreu no episódio da Standard & Poor's quando em 2008 o país conquistou o grau de investimento, episódio freneticamente comemorado por Lula, mas que o mesmo Lula fez pouco de quando a mesma Standard & Poor's rebaixou o Brasil em 2015. Ou seja, a opinião da Standard & Poor's sobre o Brasil é relevante pra elogiar a economia do país, mas quando esta mesma Standard & Poor's desabona nossas decisões econômicas isso não tem importância.

    Considerando o exposto, urge que reconheçamos toda a malignidade da retórica anticapitalista, inclusive e principalmente em benefício dos nossos próprios investidores domésticos. Oras, pois você ainda cogitava que isso só guardava conexão exclusivamente com os milionários sauditas? Pois coisa nenhuma! Veja como a sua realidade poderia ser diferente apenas modificando algumas simples decisões num passado não tão distante...
    Considere que você tenha o poder de sacar seu FGTS quando você, e não um político, julgar que é hora de sacar o FGTS. Considere ainda que você sacou R$ 10.000 em 2015 e investiu em ações da Magazine Luiza que chegaram a custar 96 centavos por ação naquele ano.
    No que isso resultaria? Basicamente você poderia vender uma ação que comprou por menos de um real pelo valor atual de R$ 180, e com isso teria conseguido transformar R$ 10.000 em um milhão e oitocentos mil reais. Surpreso? Pois ao que parece não é necessário ser uma Betina pra conseguir isso.
    Porém, dado o fato que são os burocratas que estabelecem critérios para você usar seu FGTS, e do fato de que no Brasil não existe uma cultura de investimentos, (vez que aqui impera a mentalidade anticapitalista), Muita gente perdeu a chance de surfar essa alta.
    Mas piora, pois as pessoas da sua cidade que poderiam se beneficiar se você vendesse sua posição em ações para investir em um negócio local também não serão beneficiadas, e você também não vai desfrutar da satisfação de ter feito algo para remediar os lamentosos índices de desemprego que imperam.
    O remédio? Combater a mentalidade anticapitalista.
    Para nossa lástima no Brasil o número de pessoas encarceradas é maior que o número de pessoas que investem em bolsa. Uma comparação de 2013 apontava que no Brasil a população carcerária era de 0,3%, enquanto que a quantidade de investidores da bolsa estava em torno de 0,29%. Como comparação, nos USA essa proporção fica em 0,73% de população carcerária enquanto que 65% dos americanos investem na bolsa, e a diferença não para por aí.     Sabe aqueles profissionais que te ajudam a avaliar o mercado e investir suas economias, digamos, as "Betinas" da vida?
    No Brasil, há cerca de 6,8 mil Agentes Autônomos de Investimentos.
Desses, aproximadamente 1,1 mil são pessoas jurídicas.
    Esse é um mercado bem pouco explorado quando comparado aos Estados Unidos.
Por lá, mais de 1,3 milhão de pessoas ganham a vida ajudando os americanos a investir melhor o seu dinheiro.
    Investidores da bolsa também são os que menos dependem de produtos de bancos. Sabe os banqueiros, aquela raça odiada por esquerdistas? Pois então, se eles quisessem fazer uma oposição aos banqueiros o melhor caminho seria fomentar uma cultura de investimentos.
    A desbancarização dos investimentos no Brasil está apenas começando. Hoje 95% dos investimentos dos brasileiros estão nos bancos e só 5% em plataformas digitais. Nos EUA é o contrário: 90% das aplicações estão fora dos bancos.
    O fato é: nem toda a retórica anticapitalista do mundo somada tem qualquer poder para gerar um único emprego. O que gera emprego, o que faz aparecer produtos na prateleira bons e baratos, o que permite planejamento a longo prazo... tudo isso é fruto de uma economia responsável, sem peripécias keynesianas no câmbio e com um ambiente propício para os negócios.
    Quando o ambiente não é favorável aos investimentos eles desaparecem na velocidade da luz, restando para trás apenas um governo com muita retórica e um povo que precisa trocar uma mala cheia de dinheiro por um único rolo de papel higiênico.

Notas
Tem mais brasileiros na cadeia do que na bolsa; Por que tanta aversão ao mercado acionário?. Infomoney, 2013. disponível em: <https://www.infomoney.com.br/blogs/fora-do-mercado/blog-da-redacao/post/3071109/tem-mais-brasileiros-cadeia-que-bolsa-por-que-tanta-aversao> acesso em 20 mar 2019.
Ferreira, RAMIRO GOMES. Assessor de Investimento: Quem É, O Que Faz e Como Ele É Remunerado. Clube do valor, 2018. disponível em: <https://clubedovalor.com.br/assessor-de-investimento/> acesso em 20 mar 2019.
Magazine Luiza: o segredo da empresa que subiu 15.467% na bolsa. Infomoney, 2018. disponível em: <https://www.infomoney.com.br/magazineluiza/noticia/7557122/magazine-luiza-segredo-empresa-que-subiu-467-bolsa> acesso em 20 mar 2019.
O desempenho do mercado no governo Dilma. Época negócios, 2016. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2016/05/o-desempenho-do-mercado-no-governo-dilma.html> acesso em 20 mar 2019.

Tuesday, March 19, 2019

Sobre isenções, subsídios e legítima defesa.

    A melhor definição sobre isenções e subsídios que eu já li é a seguinte:
    Isenção é deixar de tributar a Paulo. Subsídio é tributar Paulo para dar a Pedro.
    Nenhum dos livros de direito que eu já li fornece uma definição que melhor contempla a realidade desses conceitos no nosso truncado sistema tributário. As duas possuem natureza marcadamente distinta e é bastante útil que um defensor da propriedade privada a isso se atente.
    Por vezes as críticas que procedem de intérpretes mais liberais buscam se posicionar contrariamente aos dois fenômenos. Vamos exemplificar a partir de duas situações distintas o por quê de, ao contrário da política de subsídio, a política de isenções não constituir nenhum agravamento aos direitos naturais.
    Vamos exemplificar o subsídio a partir do programa minha casa minha vida. No site da Caixa Econômica vê-se a seguinte definição:
O que é o subsídio?
É um valor que o governo dá para pessoas com baixa renda e que é usado para diminuir o valor financiado. Imagine uma casa no valor de R$ 150.000,00 e uma pessoa de baixa renda para comprá-la. Se for feito o financiamento comum, o valor da prestação ficaria muito alto, então o governo oferece um subsídio de R$ 25.000,00 (isto é apenas um exemplo), assim o valor a ser financiado não é mais R$ 150.000,00 e sim R$ 125.000,00.

    Nesse ponto note que se trata de um programa de transferência de renda. No caso você e eu seremos compelidos pelo fisco a repassar 25 mil reais em créditos ao fulano aleatório usuário do programa governamental. Não se trata de um ônus que o estado poderia impor ao adquirente e opta por não fazê-lo, mas sim que nesse caso para complementar o pagamento do valor do imóvel essa quantia é rateada entre todos os outros pagadores de impostos.

    E a isenção?

    Particularmente para estatistas os dois fenômenos podem ser vistos como muito próximos, mas nada está mais longe da realidade.]
Observe o que ocorre no caso da isenção operada nas compras de veículos por pessoas com deficiência. Cumpridos certos requisitos, pode o cidadão adquirir um veículo de fabricação nacional e de valor não superior a 70 mil reais sem que a compra seja maculada pelo IPI, ICMS e em certos casos IPVA.
    Isso tende a deixar a relação de compra e venda um pouco mais próximo do que seria uma relação de mercado, ou seja, produtores estabelecendo preços pela mercadoria conforme estas são demandadas pelo consumidor.
    Dizemos "próxima" pois ainda assim o mercado brasileiro de automóveis é sovieticamente regulado, em um cenário onde o governo central protege suas empresas favoritas no que pode ser chamado "capitalismo de compadrio", ou meramente corporativismo.
    Com tais reservas de mercado os preços praticados no Brasil estão muito aquém de uma autêntica formação de preços de livre mercado, o que resulta em produtos mais caros e de qualidade pior para o consumidor.
    O ponto é, mesmo que o governo não reivindique uma fatia dos preços dos veículos para si próprio, deixando de cobrar impostos em casos específicos, ele ainda distorce a demanda e oferta culminando no encarecimentos dos produtos finais.
    Nesse cenário a opção por pagar um valor menor diretamente ao empresário e afastar uma espoliação estatal na casa dos 20 ou 30% não só é ato legítimo, como também deve ser considerado insuficiente. Na verdade tais isenções deveriam ser imediatamente estendidas a todos os consumidores.

    E o governo? Este não tem qualquer direito natural à praticar espoliação contra pessoas pacíficas, e tão pouco reconhecemos alguma legitimidade das normatizações positivistas que são no fim das contas uma formalidade pela qual o estado julga lícito o roubo quando praticado pelos seus agentes.

    Recentemente uma porta voz do governo Bolsonaro chegou a declarar como um "privilégio" esse tipo de isenção. Alguns agentes do estado chegam até a divagar sobre como os deficientes estão onerando o estado ao serem isentos na compra de veículos, este estado que tanto precisa de recursos para saúde e educação... (foi exatamente este o conteúdo de uma curiosa sentença que para minha infelicidade tive a oportunidade de ler).

    A situação revela toda sua malignidade quanto mais o cidadão pacífico aplique a matemática ao caso concreto.
    Para ilustrar, contemple o caso de alguém que paga 4% ao ano sob o valor do veículo à título de IPVA. Ao ser espoliado nesse quantum anualmente, ao fim de 20 anos o estado terá recebido 80% do valor total do automóvel.
Em outras palavras, é como se o estado firmasse com você o seguinte pacto: eu estado mui benevolentemente concedo-te o direito de negociar um carro, bastando para isso que você me oferte gratuitamente veículo semelhante.
    Parece um diálogo que teria ocorrido numa ficção de um rei maligno e despótico mas é só o tal do "contrato social" posto em prática.

    Nas palavras de Hans-Hermann Hoppe, quando o estado age redistribuindo títulos de propriedade, o estado está praticando socialismo. Por conseguinte, qualquer programa de transferência de renda onde a população é compelida a financiar bens para outras pessoas escolhidas pelo governo será sempre um ato antiético e condenável. Este é o subsídio, e este é o tipo de mecanismo tributário que um libertário deve fazer oposição.
    Já quanto às isenções por serem mero ato de renúncia estatal devem ser sempre comemoradas e assim que possível ampliadas.

    Portanto, por ser um autêntico ato de legítima defesa, deve sempre o cidadão lançar mão de qualquer ferramenta disponível para impedir que o estado se torne usufrutuário dos bens privados.

Notas
Como funciona o subsídio da Caixa e quem tem direito? Caixa econômica federal. Disponível em: <https://www.casadicas.com.br/financiamento/como-funciona-o-subsidio-da-caixa-e-quem-tem-direito.html> acesso em 19 mar 2019.
Isenção para deficiente comprar carro é privilégio, diz secretária. Folha de São Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/03/isencao-para-deficiente-comprar-carro-e-privilegio-diz-secretaria.shtml> acesso em 19 mar 2019.

Thursday, March 14, 2019

O massacre em Suzano, o Bullying e o fracasso do modelo pedagógico estatal.

    São poucos os episódios que afloram tanto as paixões humanas como um massacre ocorrido numa escola contra indefesos. O instinto materno/paterno nos induz a pensarmos como partícipes da tragédia e em meio a esse turbilhão emocional se diz muito, se acusa muito, e muitas vezes de forma nada salutar.
    É diante de um desses contextos que tentamos lançar alguma luz sobre o ocorrido na escola Raul Brasil no município de Suzano, no qual infelizmente dois indivíduos deixaram um rastro de morte e destruição antes de dar cabo das próprias vidas.
    Eu poderia simplesmente concordar que é cedo para vaticinar algo sobre o ocorrido. Eu poderia concordar que uma análise mais minuciosa seria bem-vinda depois de passado todo o sentimento de luto e depois de transcorridos os atos investigativos... eu poderia dizer tudo isso mas não posso, e a culpa disso é de políticos e suas militâncias, os velhos e sórdidos abutres que enxergam cadáveres como angariadores de votos.
    Infelizmente esse cenário de comoção é  propício para que políticos lancem as propostas menos racionais e que vão refletir negativamente sobre os direitos naturais de indivíduos pacíficos, e portanto faz-se mister que suas fantasias loucas sejam atacadas e prontamente refutadas.

    Para uma análise acertada do ocorrido, em primeiro lugar é imprescindível que o debate se atente ao fator nexo de causalidade. Praticamente tudo o que é dito ou ignora as relações de causa e efeito, ou tenta incutir a existência de um nexo de causalidade entre condições completamente independentes.
    Um pouco do que eu estou criticando pode ser visto aqui:

Antes do massacre em Suzano, Bolsonaro disse que só dorme com arma ao lado

No mesmo dia do massacre de Suzano, Bolsonaro anuncia que vai flexibilizar porte de armas


    Curiosamente a defesa do estatuto do desarmamento é mais apaixonadamente defendida quanto mais o estatuto do desarmamento falha.
E a situação vai piorando quanto mais notória for a linha socialista da publicação...

Atirador de Suzano idolatrava armas e apoiava Bolsonaro


    Mas a coisa não melhora muito quando quem opina representa o espectro político da direita. Veja:

Mourão relaciona massacre a jogos de videogame: “Garotada viciada”


Ataque seria evitado se professor estivesse armado, diz Major Olímpio



    Algumas das afirmações acima podem ser prontamente descartadas utilizando-se raciocínios básicos, mesmo porque as teses neles defendidas não possuem lá um grande primor intelectual. A associação dos assassinos com apoiadores de Bolsonaro é uma das que não resiste ao menor escrutínio.
    Há uma série de problemas em criar este tipo de associação. Primeiramente, a afirmação "um crime foi cometido por indivíduo X ligado a partido Y" só é vista como prova de alguma coisa quando esse partido Y é o partido do adversário, e isso é muito fácil de se constatar. O caso Adélio Bispo é efetivamente um exemplo do que ilustramos.
    Não só isso, mas essa associação entre grupos e indivíduos só é autorizada se o grupo em questão não for um daqueles protegidos pela política de ocasião.
    Veja por exemplo a matéria:

Episódios de estupro fazem Europa criar cursos para educar refugiados


    Pergunta-se: acaso a militância que tenta associar o crime na escola de Suzano com o apoio a Bolsonaro estaria igualmente disposta a fazer a associação entre refugiados e crimes de estupro? Acho que não.
    O mesmo pode ser dito de muitas outras associações porcamente apresentadas no episódio de Suzano. A tentativa de conectar jogos de videogame com a prática de um delito é das proposições mais rasas e perigosas que se pode fazer.
    O que de fato não pode ser ignorado é que a estatística no melhor dos casos pode ser uma aliada traiçoeira. Observe a discrepância do que se pode discutir tendo por base a estatística quando o assunto é o estatuto do desarmamento:

ESTUDO DO IPEA MOSTRA EFICÁCIA DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO


    Agora compare com a matéria

Após o Estatuto do Desarmamento, homicídios com uso de arma de fogo são os que mais crescem


    Seria possível chegar a alguma conclusão objetiva baseando-se em informações estatísticas das propostas acima? Obviamente que não.
    O viés empirista não é capaz de oferecer uma resposta objetiva para problemas como os que enfrentamos em Suzano. Tome por base a declaração do Major Olímpio de que essa tragédia seria evitada com uma arma conforme lido em:

Major Olimpio diz que tragédia seria evitada se professores estivessem armados.

    Ora, pelo critério da empiria esse não é sequer um resultado cognoscível! Seria preciso testar (ou falsear pra usar o termo mais técnico) esse tipo de proposição empírica. Porém, a sociedade não é um laboratório onde você pode replicar as condições presentes no massacre e coletar uma evidência empírica sobre resultados que se apresentariam mediante a introdução de uma ou outra variável.
    Não se quer com isso descartar a segurança armada como possível resposta para o problema analisado, mas sim queremos enfatizar que essa abordagem empirista possui diversas falhas inerentes.

    Então devemos afastar as pretensões de chegarmos a uma resposta correta pela empiria e estatística e derivar as únicas conclusões confiáveis diretamente da lógica. Volta a baila o bom e velho nexo de causalidade.
    Façamos uma apreciação lógica de algumas proposições.

Proposição: Se os criminosos não tivessem acesso a nenhum tipo de arma, então a tragédia não ocorreria.
Resposta: esta proposição só está correta se por "arma" estamos considerando todo instrumento capaz de perfurar, cortar, esmagar, queimar, sufocar, eletrocutar... ou seja, a verificação de que esse resultado só seria atingível num contexto quase impossível (um cenário onde os autores sequer tivessem acesso a facas de cozinha) já basta pra descartarmos esta como uma hipótese válida.

Proposição: Se os professores estivessem armados esta tragédia não aconteceria.
Resposta: Como vimos no problema da empiria, essa hipótese não é possível de se testar, então resultados melhores ou piores do que o observado não são conclusivamente dedutíveis.
    Agora modifique um pouco a proposição acima.

Proposição: A ação criminosa de um mau elemento usando uma arma só pode ser impedida por um bom elemento usando uma arma.
Resposta: Como apontamentos da primeira proposição, verificamos que o resultado "impedir o completo acesso a armas" não é sequer um resultado factível, então partindo do princípio de que o criminoso estará armado, então é correto dizer que esse indivíduo somente pode ser impedido por meio de algum mecanismo de auto defesa. A hipótese de legítima defesa é então tanto mais factível quanto for adequado o instrumento de defesa à disposição da vítima.
    Veja-se que não se derivou a conclusão: uma arma teria impedido a chacina, mas derivamos logicamente que, entre todos os cenários, até agora o mais factível está do lado de uma autodefesa efetiva através de uma arma de fogo.
    Tome por comparação um outro episódio também ocorrido numa escola, o protagonizado pela cabo Katia da Silva Sastre. Este é claramente um exemplo de uma autodefesa efetiva onde quaisquer resultados de perca de vidas de inocentes foram afastados graças a utilização de uma arma como meio para legítima defesa.
    Como viemos desenvolvendo, não é possível afirmar de forma objetiva que a presença da cabo Katia da Silva Sastre na escola de Suzano evitaria o ocorrido.
    No entanto, é seguro dizer que sempre que presentes aquelas variáveis, (pessoas fortemente armadas invadindo um colégio), se esses marginais sempre encontrarem o ambiente totalmente desprotegido, então sempre o resultado pior se verificará.
    Portanto é possível contrastar as seguintes opções:

* escolas desprotegidas onde o meliante sempre tem toda hipótese de realizar todo o mal que tiver em mente.
* escolas razoavelmente protegidas em que há ao menos a hipótese do agressor ser impedido por uma pessoa armada.

    Seguramente diante dessas hipóteses acima eu sempre escolheria a segunda alternativa.
    Na verdade, por mais que os militantes do desarmamento não estejam dispostos a admitir, qualquer pessoa que soubesse que seu filho está à mercê de um desses meliantes recorreria imediatamente à polícia, o que equivale a dizer que eles optariam por usar uma defesa armada contra uma possível agressão.

    Agora respondamos: quem são os responsáveis por impedir o cidadão de utilizar de todos os meios de legítima defesa própria e de sua respectiva família? Políticos. Estes querem fazer valer seus conceitos defasados e dogmáticos sobre como armas são inerentemente ruins e escolas são lugares onde o poder público promove a socialização e a cultura, sendo que nada poderia estar mais longe da realidade.

O problema do Bullying

    Caso houvéssemos de usar uma única palavra pra descrever a variável que julgamos como a mais definitiva para problemas como o de Suzano, essa palavra seria Bullying.
    Se em diversos episódios o Bullying é determinante para a motivação dessas tragédias, (e ele é), então é nesse ponto que devemos focar e saber o que pode ser feito a respeito.
    Partindo do princípio que seria possível afastar a variável Bullying, então o resultado "crime" não deveria ser observado.
    Naturalmente que estamos tratando de seres humanos, então o resultado crime poderia aparecer graças a outra variável, uma patologia mental do criminoso, por exemplo, mas o cenário onde os melhores resultados são esperados efetivamente decorre da exclusão da variável Bullying.

Mas como alguma meta contra o Bullying poderia ser atingida?

    É certamente mais fácil principiarmos por responder quais medidas serão completamente inócuas para o enfrentamento desse problema. A adolescência é o período que o comportamento humano mais se aproxima do comportamento dos nossos primos chimpanzés, e não há nada que os filósofos do cor-de-rosa possam fazer a respeito... palestras, atividades de grupo, reuniões, petições na avaaz, subir uma hashtag no twitter ou cantar We Are the World... nenhuma dessas medidas é efetiva para fazer um moleque de 14 anos não agir como um moleque de 14 anos.

    Data maxima venia um breve parêntese para um comentário pessoal, (algumas de minhas piores experiências vem justamente desse período escolar do ginásio, e recorrer aos responsáveis pela instituição escolar não ajudava em nada no melhor dos casos, e piorava no pior deles).

    O fato é que todos esses conhecimentos teóricos e empíricos fazem concluir indubitavelmente que a última coisa que pode ser considerada saudável é enclausurar numa sala 40 indivíduos no auge da tendência primata e deixar que só os alfas se safem, pois é exatamente isso que os primatas (incluso humanos) fazem.
    O modelo escolar e curricular vigente hoje não deve ser reformado, o modelo escolar e curricular vigente hoje deve ser extinto. Outras soluções devem surgir, e algumas até já surgiram. É o caso do Homeschooling, de qual modelo sou manifesto entusiasta e do qual poderia elencar motivos inúmeros pra sustentar esta posição, mas isso infelizmente tomaria um grande espaço e demanda um texto a parte.

    Ainda assim podemos desenvolver uma breve tese: se um episódio desses de massacres em escolas apresentasse um número de 100 potenciais vítimas, e ocorresse de pelo menos uma delas ter optado na semana anterior pela adoção do homeschooling, então o número potencial de vítimas diminuiria. Conquanto em nosso exemplo ainda existiriam quase uma centena que poderiam sofrer violência, o êxito em conseguir ao menos diminuir o fatídico banho de sangue já é em si mesmo um resultado mais desejável que o seu oposto.
    Postas essas variáveis, quanto maior fosse a proporção de alunos optantes pelo modelo homeschooling, menor seria a proporção de potenciais vítimas confinadas em prédios do governo sem nenhuma proteção.
    Há ainda um enorme benefício se a metodologia homeschooling fosse adotada pelos pais dos próprios atiradores. Se dos nossos mesmos 100 alunos hipotéticos houvesse pelo menos um optante pelo modelo de ensino domiciliar, e esse fosse justamente um dos alunos que fez uso de violência após o Bullying, então teríamos excluído justamente a variável determinante (Bullying) para a ocorrência dos crimes.

Conforme verificamos, nossas explanações permitiram identificar diversas razões para interpretar as variáveis determinantes para a ocorrência de massacres em escolas como sendo intimamente ligadas aos fenômenos de socialização. destas premissas pudemos apontar o Homeschooling como uma efetiva resposta contra os fatores que possibilitam esta espécie de evento. Fomos capazes de apontar o enclausuramento escolar como um fator que se propõe solucionar diversos problemas sociais, mas que acaba na prática tendo diversos efeitos adversos que não são levados em consideração pelos estatistas.
Por não pretender ser exaustivo, o texto não abordou aspectos puramente pedagógicos que seriam de interesse na discussão sobre o homeschooling, mas enfatizamos que devemos apresentar respostas para estas questões em momentos futuros.
De fato diversas medidas podem ser adotadas no enfrentamento do presente problema, e o homeschooling é uma, senão a principal, delas. Mas o que deve ser enfatizado é que as propostas estatistas estão totalmente divorciadas da realidade, e quem optar por resultados concretos em vez da demagogia deve olhar cada proposição estatista com a máxima cautela.

Friday, March 1, 2019

Os sistemas de justiça e as falhas do modelo estatal.

    No texto anterior começamos a verificar que os diversos conflitos humanos demandavam alguma forma de chegar à resposta final sobre quem poderia exercer a propriedade dos recursos escassos. Além do mais, até mesmo o desenvolvimento da agricultura e outras inovações não eram sequer possíveis de se imaginar sem definições sobre direitos de propriedade.
    Como sabemos, a partir de certo ponto o nosso ancestral pôde se antecipar ante as necessidades vindouras, planejando e separando parte da colheita presente para manutenção futura e para o plantio da próxima estação, mas ele certamente não conseguiria realizar tal empreendimento sem que antes se estabelecessem distinções sobre lícito e ilícito, sobre quem deve ter a faculdade de decisão final sobre o uso dos bens.
    Sem um acordo a cerca desses limites, nem ao mesmo faria sentido estocar grãos para eventos futuros, principalmente se você não pode reivindicar propriedade exclusiva sobre estes bens.

    Uma parte dos nossos problemas restou resolvida, pois agora existem ferramentas pelas quais eu poderia exigir de qualquer outro que não consuma meus grãos, e poderia demandar esse indivíduo perante os julgadores da nossa sociedade. Porém, um problema persistente nestas tentativas de se estabelecer um sistema de justiça acabava por ser a faculdade que o julgador teria de decidir de forma arbitrária e flagrantemente injusta. Se o dito julgador também tivesse o monopólio do uso da força, se ele fosse rei, por exemplo... a a ameaça do poder despótico era factível.
    Aqui jaz a contradição. No entender de alguns filósofos contratualistas, a ameaça de violência constante por parte de seus pares levou o homem a abrir mão de parte da sua autonomia para atribuir a uma autoridade central o poder de resolução dos conflitos.
    Existem porém muitos problemas com essa tese. Em primeiro lugar, mesmo que houvesse um contrato, seria ilógico reconhecer que o ancestral de dezenas de milênios atrás teria poderes para decidir por todos os descendentes até a atualidade. Em outras palavras, o dito contrato social deveria ter a anuência expressa de cada um dos indivíduos que nascessem para permanecer válido. Em segundo lugar, mesmo os adeptos desta tese tem consciência de que o contrato social é uma ficção, não havendo o mínimo fulcro na realidade que sustente tal proposição.
    Ainda que não existissem as dificuldades acima, a contradição que ainda persiste é insuperável. A consequência do contratualismo é a seguinte: já que eu quero evitar ser vítima de expropriação dos meus bens e violência contra a minha pessoa, então eu deveria atribuir a uma instituição super poderosa os poderes para efetivar atos de que eu temo ser alvo, quais sejam: expropriação dos meus bens e violência contra a minha pessoa.
    Por hora nos basta acrescentar que graças a estes mesmos poderes estatais, muitos foram os episódios vergonhosos protagonizados pelas suas milícias, incluindo invasões, saques, estupros praticados como arma de guerra e assassinatos em massa. Mas piora, visto que no século XX a barbárie perpetuada pelo estado atingiu níveis de tal magnitude que o pesquisador Rudolph Joseph Rummel acabou por cunhar um termo inédito, o democídio, para ter uma nomenclatura mais adequada para expressar os massacres que o estado praticava sistematicamente contra povos inteiros durante o século passado, a exemplo das milhões de mortes resultantes do nazismo ou de ações soviéticas na Ucrânia.
Em citação as palavras do próprio Rummel (2013):

"No total, os regimes marxistas assassinaram aproximadamente 110 milhões de pessoas de 1917 a 1987.  Para se ter uma perspectiva deste número de vidas humanas exterminadas, vale observar que todas as guerras domésticas e estrangeiras durante o século XX mataram aproximadamente 85 milhões de civis.   Ou seja, quando marxistas controlam estados, o marxismo é mais letal do que todas as guerras do século XX combinadas, inclusive a Primeira e a Segunda Guerra Mundial e as Guerras da Coréia e do Vietnã".

    Obviamente, as modalidades de arbitrariedade perpetuadas pelo estado não estão restritas aos cenários de guerra, e são muitas as hipóteses de exercício do despotismo estatal mesmo em tempo de paz. No contexto brasileiro, por exemplo, a tributação que fica em torno dos 37% é certamente razão para contestar a magnitude dos poderes do estado. Ademais, caso inexistisse sonegação ou nenhuma das brechas legais que advogados encontram nas trincheiras tributárias, a carga tributária efetiva do Brasil poderia chegar à cifra hedionda de 60%.

    Acrescente-se a isso a horrenda distância que existe entre o tratamento legal dos detentores do poder estatal e as pessoas comuns, os que verdadeiramente sustentam tal arranjo. A execrável quantidade de privilégios da classe política nos fornece uma triste corroboração para o nosso exemplo, não somente nos privilégios de ostentação, como salários e regalias, mas principalmente privilégios processuais, que na prática basicamente impedem que políticos sejam punidos por seus atos mais condenáveis.

    E qual a relação de todo esse cenário nefasto com o tema do libertarianismo?

    De fato, toda a apresentação até aqui visa colocar o leitor a par de um incômodo conceito: o estado não é, nunca foi nem jamais será um promotor de justiça.
    Mas como conciliar tudo o que foi dito sobre o estabelecimento de direitos de propriedade e nossa presente declaração?
    Como ao mesmo tempo conciliar o tipo de segurança jurídica que qualquer camponês necessita para semear o seu trigo, com as abundantes evidências de que o estado é o maior protagonista das piores violações dos direitos naturais?

    Existe uma insuperável contradição na conceituação do estado como defensor da propriedade privada. Recordando o que foi explicado sobre a tese contratualista, o sistema se perpetua desde que os homens pensem que só o estado possui aptidão para a manutenção dos direitos de propriedade, e para essa suposta finalidade é que o estado reivindicaria para si próprio o poder monopolístico de burlar os direitos de propriedade dos seus súditos.
    A subsistência do estado depende da relativização dos direitos individuais e da redistribuição dos títulos de propriedade que os indivíduos possuem. A própria tributação consiste no ato de subtrair propriedade de outrem mediante violência ou grave ameaça, ações estas que o estado proíbe a qualquer particular ao mesmo tempo em que institucionaliza e se autoriza a praticar.

    Positivistas de um modo geral tem a tendência de redarguir dizendo que tributar e roubar são ações totalmente diferentes. Dizem eles que um é ato lícito previsto no código tributário, enquanto que outro é crime previsto pelo código penal.
    Isso contudo não afasta a constatação já observada nos parágrafos anteriores, de que a distinção de lícito e ilícito perante o estado se dá exclusivamente por decreto. Para o estado positivista, mediante decreto é possível definir que Paulo pode iniciar agressão contra João , mas que João não pode iniciar agressão contra Antônio.
    Em outras palavras, para poder responder se deve-se ou não condenar a agressão, os positivistas deverão antes consultar uma norma que pode estar positivada na lei 1234, artigo 22, inciso III, alínea a, para então concluir se é correto ou não agredir.

    Neste momento o leitor pode lançar a seguinte observação: O rei de fato pode reivindicar a propriedade de terceiros, mas o rei estabelece o sistema jurídico que possibilita a estabilidade e o progresso, então é útil que o rei possa tributar.
    Se for essa sua indagação, saiba que seu posicionamento é conhecido pelo meio libertário como a posição utilitarista e que existem abundantes refutações para essa corrente. Utilitarismo de forma sucinta é aquela corrente que defende uma espécie de estado mínimo, posição que se aproxima da corrente denominada de minarquismo. Para um minarquista ou utilitarista, até pode existir o problema da ética, e a tributação pode até ser reconhecida como agressão, mas para estes a agressão é necessária, contanto que seja mantida em níveis mínimos.
    Claro que existem outros níveis de utilitarismo que podem até maximizar a agressão. O modelo keynesiano, por exemplo, é um dos modelos que pode ser identificado com o utilitarismo, vez que para seus defensores a redistribuição de títulos de propriedade pode ser justificada quando vier acompanhada de resultados favoráveis no PIB e na balança comercial.

    Nossa posição ante o utilitarismo e o minarquismo pode ser resumida nos seguintes apontamentos:
* historicamente os estados mínimos tendem a se tornar estados máximos;
* nenhum monopólio jamais se comprovou eficiente, e nada faz crer que o monopólio do uso da força seja exceção;
* o critério utilidade não é capaz de oferecer um sistema jurídico justo e confiável. Quão entusiasticamente as pessoas de séculos atrás defenderiam institutos nefastos como a escravidão baseando-se exclusivamente em utilidade?
* por mais que nenhum estatista acredite que o estado seria eficiente em tarefas como fabricação de celulares e TV's de plasma, estatistas creem na ficção que áreas mais essenciais como justiça devem ser monopólio do estado, por mais que este nunca tenha superado a eficiência da iniciativa privada em qualquer ramo.

    Ora, conquanto os argumentos em prol de soluções não estatais de resolução de conflito demandem um texto a parte, consignamos que existem inúmeras ferramentas que concorrem e até superam o estado nesta tarefa. Como ilustração, temos a justiça desportiva (que é 100% privada); a arbitragem e mediação; os sistemas online de reputação e feedback que encaminham a resolução de conflitos, tais como o "reclame aqui"; além dos organismos de resolução de conflitos das próprias organizações privadas como o mercado livre, que opera a função de árbitro em demandas envolvendo seus compradores e vendedores.
    Na prática, se o indivíduo procura os serviços do "reclame aqui" para resolver algum problema de atraso de uma mercadoria, por exemplo, esse indivíduo provavelmente estará numa situação muito melhor quando comparado a um indivíduo que estivesse recorrendo aos mecanismos estatais diante do mesmo problema.

    Enfim, postos estes breves apontamentos a cerca do utilitarismo, retomemos o desenvolvimento do raciocínio sobre o positivismo jurídico.

    O positivismo jurídico, tal como verificamos a pouco, é um sistema que se propõe a definir normas e condutas por decreto. Sendo mais específico, para autores positivistas como Hans Kelsen o aplicador do direito não deve estar atrelado a conceituações de justiça ao decidir sobre uma determinada lide. Para melhor representar este conceito consignamos aqui o próprio pensamento de Hans Kelsen em citação literal:

"o direito positivo vale enquanto tal, é dizer, da sua objetividade, da norma posta, retira a sua validade subjetiva; a sua validade tem-se como regra posta, pertencente ao próprio sistema. A norma entrou com regularidade no sistema jurídico, como tal ela retira sua validade subjetiva. Seria desnecessário pedir a sua adequação a um ideal de justiça". KELSEN (2003) apud NOVAES (2005) P.1.

    Graças às óbvias limitações do positivismo jurídico, até mesmo as nações envolvidas na segunda guerra tiveram que voltar sua atenção para a formação de um conceito correto de justiça que não fosse dependente das construções jurídicas formais. Isto por que durante os julgamentos do tribunal de Nuremberg foram confrontadas as argumentações dos nazistas, os quais  justificavam todas as agressões e crimes da II guerra como decorrentes do estrito cumprimento do dever legal,
    Fatalmente, o argumento dos nazistas poderia bem ter prevalecido se fossem tomados apenas os mecanismos processuais positivistas, mas não foi o que sucedeu, e o episódio marcou uma reviravolta na cultura jurídica estabelecida que desde então passou a relativizar a doutrina jurídica formal, e conceitos como jus naturalismo até chegaram a ganhar alguma importância para a hermenêutica, mas não tanto quanto deveria, deve-se admitir, vez que ainda persiste certa dificuldade entre os juristas para estabelecer de forma mais ou menos consensual o conceito de justiça sem apelar para códigos e decretos.

    Até aqui constatamos que a nossa espécie dependeu intrinsecamente de um sistema de justiça para a resolução de conflitos, mas que a solução oferecida pelo estado tinha e tem diversos problemas insuperáveis, de forma a ter sido observado a oferecer injustiça no lugar de justiça, conflitos em lugar de  solução de conflitos, desrespeito sistemático a direitos em lugar de sua proteção.


Esse texto se encerra por aqui. Posteriormente desenvolveremos o argumento do porquê da ética libertária ser a única ética justificável e compatível com os seres a que se destina, os humanos, e demonstraremos que ela é a única que satisfaz o requisito da resolução dos conflitos de forma universal e objetiva.



Notas
MAUAD, João Luiz. Você sabe qual é a nossa carga tributária potencial? Instituto Liberal. <https://www.institutoliberal.org.br/blog/voce-sabe-qual-e-a-nossa-carga-tributaria-potencial-ou-que-futuro-nos-aguarda/> Acesso em: 01 de março de 2019.

RUMMEL, R.J. Marxismo: a máquina assassina. Instituto Mises Brasil. <https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1584> Acesso em: 28 abr 2013

SILVA, Leandro Novais e. A não-idéia de Justiça em Hans Kelsen. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 837, 18 out. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7438>. Acesso em: 28 fev. 2019.

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