Tuesday, May 7, 2019

Cotas no cinema nacional e os delírios messiânicos de uma esquerda anacrônica.

    Em publicação denominada Cineastas brasileiros veem "selvageria" na estratégia de "Vingadores", diversos produtores nacionais apresentaram queixas quando viram o lançamento do último filme da Marvel alcançar 80% das salas de cinemas. Mariza Leão, produtora do filme brasileiro De Pernas Pro Ar afirma categoricamente que é um absurdo não haver uma regulação para um limite de ocupação das telas. Ela prossegue: — Isso é um discurso liberal "pra boi dormir", porque se você tem um estado que fomenta [o cinema], uma indústria em atividade, que gera riqueza e imposto, você vai deixar a permanência de um filme brasileiro à mercê dessa selvageria do mercado? É absolutamente inaceitável.
    Um dos que opinou sobre a polêmica foi o cineasta André Sturm, que já apareceu outras vezes defendendo um viés nacionalista no entretenimento. Segundo ele: essa exploração do mercado "vai contra qualquer princípio de concorrência, direito do consumidor, de mercado".
— Precisa de tanta sessão por que tanta gente quer ver o filme ou tanta gente vai ver o filme por que tem tanta sala? É só pensar: o cara vai ao cinema e vai ver Vingadores. É óbvio, porque só tem Vingadores. Claro, o filme tem apelo, mas também não tem concorrência — ele diz.

Nesse comentário o cineasta demonstra todo o seu ressentimento pelo fato de que a apreciação subjetiva dele próprio não é a regra entre os consumidores. No mundo idealizado por Sturm o filme Raiva seria muito mais prestigiado do que a capitã Marvel, como pode se constatar em em uma de suas publicações na Folha de São Paulo. Adicionalmente, no mesmo artigo Sturm faz a apologia do cine Belas Artes, gerenciado por ele mesmo, que outra vez estava prestes a fechar por ser economicamente inviável.

    Obviamente não se trata a questão de uma meia dúzia de opiniões isoladas. Em seu perfil no Facebook, o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, cujo filme “Bacurau” foi selecionado para a mostra competitiva do Festival de Cannes, publicou um comentário em que faz menção à uma regulamentação agora extinta.
“‘De pernas pro ar 3’ estava dando dinheiro. Quando o mercado corre sem lei, sua lógica é a de subtrair para ganhar, e não a de somar com diversidade. Os dois filmes poderiam ir bem, sem desequilíbrio”.
    Também Daniel Caetano, presidente da Associação Brasileira de Cineastas, declarou que a regulação é necessária e ajuda o mercado a funcionar, sendo construída em conjunto com os agentes desse mercado.
“Eu entendo que o mercado tenda a esse modelo, mas acredito que faz parte das funções do governo criar mecanismos regulatórios que evitem que as leis de mercado acabem canibalizando o próprio mercado”, comentou ele sobre a situação causada pela estreia de “Vingadores: Ultimato” no Brasil.

    A cereja do bolo é a publicação do Portal Vermelho. Inclusive vamos fazer uma citação maior da embaraçosa argumentação do artigo, que poderá ser lido na íntegra na lista de links no rodapé:
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O diretor Halder Gomes escreveu no Facebook que seu filme Cine Holliúdy 2: A Chibata Sideral, que vinha fazendo grande sucesso no Nordeste, aproximando-se dos 200 mil ingressos vendidos, foi retirado de várias salas cearenses, trocado pelos Vingadores.

Uma tamanha concentração do mercado afeta não apenas os filmes brasileiros, mas toda a produção cinematográfica não-hegemônica, venha ela do México ou da Coreia, da Noruega ou do Capão Redondo. O público perde em diversidade, a cultura fica mais pobre.

Haverá quem diga que os filmes brasileiros, com exceção das comédias globais e de alguns dramas religiosos, já vinham sendo vistos por pouca gente. É verdade. Nos últimos anos assistimos a um fenômeno curioso: certos filmes brasileiros, como Gabriel e a Montanha, As Boas Maneiras e, agora, Los Silencios parecem encontrar maior receptividade na Europa do que nos nossos cinemas.

Seria exaustivo tentar explicar as razões disso, que vão desde a concentração das salas exibidoras em shopping centers e multiplexes distantes dos bairros mais populares até o preço dos ingressos, passando por uma certa uniformização do gosto de uma classe média tradicionalmente refratária ao cinema nacional. Com tanta oferta de filmes e séries pelos serviços de streaming e video on demand, é compreensível que muitos espectadores só queiram sair de casa para experimentar no cinema o prazer imediato e sensorial dos efeitos especiais, do 3D, do som Dolby não sei das quantas.
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    Como se observa, segundo o pensamento dominante entre a classe artística e os veículos de esquerda é possível sintetizar o seguinte:
* o consumo de blockbusters deveria ser diminuído, talvez para 0;
* os filmes do circuito alternativo deveriam ser mais consumidos, inclusive por pessoas que nunca mostraram interesse por eles;
* a produção desses filmes alternativos deveria ser financiada com dinheiro público;
* além de o dinheiro público pagar pela produção, os cinemas não deveriam se preocupar com bilheteria, e o estado os deveria salvar assim que o projeto fracassasse;
* há uma classe com uma missão messiânica, artistas e suas conexões políticas, que sabem melhor do que você  (gado) o que você deve financiar com seus impostos e o que você deve consumir, e até o que deveria deixar de ser consumido, e quem discordar será prontamente rotulado de alienado.

    Além das opiniões emitidas, a própria linguagem utilizada pela classe artística parece ter saído de algum manual do PSOL. Veja-se declaração de Diego Benevides, também membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine): “É um monopólio que prejudica o que está ao redor, antes e depois de uma estreia desse porte, passando por cima inclusive do espaço já pequeno para obras brasileiras e filmes que se preocupam com o pensamento artístico, restritos às salas ditas “menores” (que de menores não têm nada, pois são lugares de RESISTÊNCIA)”. 

    Resistência? O problema que se impõe é evidente: Deveria de fato o povo brasileiro, que ainda não superou problemas de grande magnitude como saneamento básico, ser obrigado a financiar por meio de impostos uma produção que vai ter como resultado um grupo de indivíduos inteligentinhos se dando tapinhas nas costas em algum festival na Europa e ganhando parabéns pela resistência contra a opressão?
    Por outro lado, é bem verdade que o fato de um filme ser nacional também não diz nada sobre ele ser preterido pelo público. Filmes como Minha Mãe é uma Peça 2, Dona Flor e seus dois maridos e Tropa de elite 2 são filmes nacionais que ultrapassaram a impressionante marca de dez milhões de ingressos vendidos. Como comparação, até 26/04 o filme da Capitã Marvel chegava a pouco menos de 9 milhões de ingressos no Brasil. Na mesma data, o filme SHAZAM!, outro filme de heroi chegava a 2,61 milhões de ingressos no país. Por sua vez, Thor Ragnarok saiu de cartaz com 3,38 milhões de ingressos vendidos, menos que os 5 milhões de os dois filhos de Francisco.
    Repito e enfatizo: mais brasileiros foram ver o filme da dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano do que alguns dos filmes de maior sucesso da Marvel. Há então como estabelecer de forma objetiva que filmes brasileiros são sempre preteridos pelo público? Os números mostram outra coisa. Quando o público se interessa pela produção, o público comparece ao cinema independentemente de cotas de salas ou de qual seja a produtora, seja ela Globo, Warner Bross, Disney ou Marvel.
    Os artistas inteligentinhos entusiastas do cinema alternativo deveriam primeiramente se perguntar a razão dos seus filmes não superarem sequer as boas marcas do cinema nacional... aliás, muito longe disso, por vezes os filmes desses circuitos sequer batem 10% do público de um Tropa de Elite. 
    Curiosamente, as vezes aparece alguém da esquerda artística como Mano Brown alertando que essa esquerda já de muito tempo perdeu o contato com a periferia. Não é estranho portanto que protestos contra Jair Bolsonaro sejam frequentados por pessoas predominantemente das classes altas, ou que protestos como a marcha das mulheres nos EUA contra Trump cheguem a ser cancelados por "excesso de mulheres brancas". Tal divorciamento da realidade continuará enquanto essas lideranças de esquerda insistirem numa autoimagem messiânica que deve guiar as massas para a salvação.

    Para concluir, a situação vai de mal a pior. Hoje 07/05 surgiu a notícia de que o governo federal vai reinstituir as cotas para o cinema nacional. Isso contraria frontalmente o que os brasileiros vem expressando contra tópicos como Lei Rouanet e assimilados, inclusive manifestando tal posicionamento nas urnas.

Reportagens mencionadas:

Marcha das Mulheres é cancelada por ser 'branca demais' na Califórnia
https://oglobo.globo.com/sociedade/marcha-das-mulheres-cancelada-por-ser-branca-demais-na-california-23337510

Eleições 2018: elite de esquerda era maioria em protesto #EleNão contra Bolsonaro em SP, aponta
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45702409

Filme 'O Confeiteiro' narra amor gay nascido da relação com a comida
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/03/filme-o-confeiteiro-fala-de-perda-e-de-sexualidade.shtml

Vingadores tira filme nacional de cena e ocupa 80% das salas de cinema brasileiras
http://blogs.opovo.com.br/reporterentrelinhas/2019/04/25/vingadores-tira-filme-nacional-de-cena-e-ocupa-80-das-salas-de-cinema-brasileiras/

Cineastas brasileiros veem "selvageria" na estratégia de "Vingadores"
https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/cinema/noticia/2019/04/cineastas-brasileiros-veem-selvageria-na-estrategia-de-vingadores-cjv1m5etx01n701nwmxgqplo7.html

Invasão cultural: 80% das salas de cinema no Brasil exibem Vingadores
http://www.vermelho.org.br/noticia/320142-1

Cineastas brasileiros protestam contra “Vingadores: Ultimato” ocupando 80% das salas do País
http://www.osul.com.br/cineastas-brasileiros-protestam-contra-vingadores-ultimato-ocupando-80-das-salas-do-pais/

a raiva contra a capitã marvel
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/03/a-raiva-contra-a-capita-marvel.shtml

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