Friday, May 31, 2019

Refutando o mito do socialismo escandinavo.

Nota
Esse texto é basicamente um compilado de diversos argumentos de artigos diferentes do Instituto Mises Brasil. Meu único trabalho foi criar um compilado que abrangesse um panorama geral sobre os países nórdicos que são sempre objetos de debate político, os quais são também abordados caso a caso em artigos temáticos específicos no IMB com uma boa gama de informações adicionais.

***

    Todos queremos ser a Escandinávia... será mesmo?


A social-democracia é um arranjo paradoxal: embora ela seja vista como
a salvação dos pobres, ela só pode funcionar — e ainda assim
temporariamente — em países de população rica.
E o motivo é simples: para que um estado de bem-estar social — no qual
o governo cuida de todos por meio de altos gastos sociais e ainda
fornece vários serviços "gratuitos" — funcione, o governo tem de
tributar pesadamente a população.
    E para que essa alta carga tributária não afete a criação de riqueza
da economia, essa população tem de ser extremamente produtiva e
possuir uma alta renda per capita. Ela tem de produzir a taxas cada
vez maiores, e já ter uma grande riqueza acumulada, para poder ser
pesadamente tributada pelo governo e ainda conseguir manter seu padrão
de vida. Só assim ela poderá arcar com a alta carga tributária
necessária para bancar o estado de bem-estar social.
    Caso contrário, se a produtividade não for crescente, o governo estará
confiscando riqueza a uma taxa maior do que ela é criada. E aí a
pesada tributação fará a riqueza definhar. E se a renda per capita não
for alta o bastante, simplesmente não haverá como o governo continuar
tributando para manter o estado de bem-estar social.
    Uma coisa é o governo tributar pesadamente uma população já rica e
produtiva; outra, completamente oposta, é o governo querer fazer o
mesmo com uma população pobre e pouco produtiva. Para efeitos de
comparação, onde você acha que seria mais fácil manter um estado de
bem-estar social: na Suíça ou no Haiti?
    Obviamente, tributar apenas os "ricos" para então bancar todo o resto
da população "não-rica" é algo numericamente impossível, pois
simplesmente não há, em nenhum país do mundo, ricos em quantidade
suficiente para serem continuamente tributados e custearem sozinhos os
gigantescos gastos efetuados pelos estados assistencialistas
ocidentais.
    Portanto, para a social-democracia se manter, toda a população tem de
ser rica e muito produtiva.
    Consequentemente, uma social-democracia, para se manter, tem de criar
um arcabouço amplamente liberal em termos de economia de mercado: as
pessoas têm de ser extremamente livres para investir, produzir e criar
riqueza; o ambiente burocrático e regulatório tem de ser leve e pouco
intrusivo; a facilidade de empreendimento tem de ser máxima; o
respeito à propriedade privada tem de ser total (caso contrário, não
haverá investimentos); os investimentos estrangeiros têm de ser
liberados.
    O melhor exemplo prático, obviamente, são os países nórdicos, os quais
seguem à risca essas regras: seu ambiente empreendedorial é
extremamente desregulamentado e os países são um dos mais abertos do
mundo para o livre comércio. Demora-se no máximo 6 dias para abrir um
negócio e as tarifas de importação estão na casa de 1,3%, na média. A
dívida pública é baixa, o que significa que o governo não estoura o
orçamento. Não há salário mínimo estipulado pelo governo. Há uma
robusta proteção dos direitos de propriedade. As alíquotas de imposto
de renda para pessoa jurídica são das mais baixas do mundo. Não há
impostos sobre a herança.
    Todas as atuais sociais-democracias do mundo seguiram o mesmo ritual:
primeiro elas enriqueceram por meio de uma economia de mercado
amplamente desregulamentada; depois, só depois, adotaram um estado de
bem-estar social.

Entra a Finlândia

    Antes de a social-democracia ter se radicalizado nos países nórdicos
ao final da década de 1960, a carga tributária destes países era de
aproximadamente 30% do PIB — valor muito próximo ao de outros países
desenvolvidos.  À época, todo esse fardo tributário era bastante
visível, pois a maior parte da tributação se dava por meio de impostos
diretos, os quais apareciam no contracheque dos empregados.
    Ao longo do tempo, uma fatia cada vez maior da tributação passou a ser
arrecadada por meio de impostos indiretos. Estes são bem menos
visíveis para os que arcam com eles, uma vez que tais impostos ou são
cobrados antes de o salário ser formalmente pago ao empregado, ou já
estão incluídos nos preços dos bens de consumo.
    A Finlândia é um exemplo bem interessante dessa política.
A carga tributária do país era de 30% do PIB em 1965. Os impostos
indiretos, tanto na forma de VAT (imposto sobre o valor agregado,
essencialmente um imposto sobre vendas) quanto de contribuições
compulsórias para a previdência social, equivaliam a 25% da tributação
total.
    Atualmente, a carga tributária total já está 44% do PIB, sendo que
metade disso está na forma de impostos indiretos (ou, utilizando um
termo mais apropriado, impostos ocultos).

    Ou seja: para manter o estado de bem-estar social, o governo finlandês
passou a tributar, de maneira crescente, toda a população. Isso era
inevitável.
    Mas mesmo este arranjo também não tem como ser duradouro. Há um fator
crucial que simplesmente não pode ser ignorado, e o qual pode fazer
todo o arranjo sucumbir: a demografia.
    Mesmo as mais bem azeitadas sociais-democracias não podem contornar
esta realidade: se a população parar de crescer, não haverá uma
quantidade suficientemente grande de indivíduos para serem tributados
no futuro para bancar os mais velhos, os aposentados e os mais pobres.
    Consequentemente, todo o estado de bem-estar social entra em risco.
De novo: mesmo os mais bem gerenciados estados assistencialistas terão
de lidar com um futuro desafiador por causa das mudanças demográficas.
    Volumosos programas de redistribuição só funcionam se houver uma
quantidade suficientemente grande de pagadores de impostos para bancar
as prometidas redistribuições.
E, na Finlândia, a quantidade futura de pagadores de impostos está
secando. Uma recente reportagem da Bloomberg relata que os políticos e
economistas do país estão profundamente preocupados com o fato de que
não haverá um número suficiente de pagadores de impostos no futuro
para financiar o extravagante estado assistencialista do país. A
Finlândia está vivenciando uma "escassez de bebês".
    Em 2016, o país teve o menor número de partos em 148 anos — ou desde a
grande fome de 1868. A taxa de fecundidade da Finlândia caiu para 1,57
filho por mulher, e o percentual de pessoas com 20 anos de idade ou
menos em relação à população em idade de trabalhar é de 40%. Era de
60% em 1970. Ou seja, a base da pirâmide etária encolheu
acentuadamente, ao passo que o topo está só aumentando.
    A situação pegou os economistas do país de surpresa. Eles não só não
têm nenhuma solução para isso, como ainda se mostram um tanto
desesperados. Para Heidi Schauman, economista-chefe do Aktia Bank, as
estatísticas são "assustadoras". Como ele próprio explica: "Essas estatísticas mostram quão rapidamente nossa sociedade está
mudando, e não temos nenhuma solução para evitar esse fenômeno. Temos
um setor público grande e o sistema precisa de pagadores de impostos".
    O economista claramente não percebeu a deliciosa ironia contida na
última frase de sua declaração, a qual revela explicitamente a
essência dos estados modernos: a função do setor público é apenas se
servir das pessoas.
    Sem a capacidade de expropriar eternamente capitalistas e
empreendedores ricos, o estado de bem-estar social passa a ser apenas
uma máquina ensandecida cujo único propósito é perpetuar a própria
existência devorando quantidades maciças de impostos extraídos das
próprias pessoas a quem ele diz estar servindo.
    Se a tendência demográfica ameaça a existência dessa máquina, bem,
então mais pessoas devem ser geradas apenas para continuar alimentando
esse mecanismo. Isso lembra o enredo do filme Matrix.
    Com suas baixas taxas de fecundidade, a demografia já é uma
preocupação em todo o mundo desenvolvido. Mas as atuais tendências
demográficas são particularmente problemáticas para países com
generosos estados de bem-estar social, uma vez que uma baixa
fecundidade coloca em risco a própria sobrevivência do sistema.
    Os "beneficiários" das mais avançadas sociais-democracias não estão se
reproduzindo em quantidade suficiente para bancar os benefícios que
estão recebendo. Consequentemente, estão "colocando em risco" a
sobrevivência de longo prazo dos mais generosos estados
assistencialistas.
    Por outro lado, é importante ressaltar que mudanças demográficas não
necessariamente geram problemas econômicos e fiscais. Hong Kong e
Cingapura possuem taxas de fecundidade extremamente baixas, mas não
estão enfrentando problemas. Motivo: suas economias são maciçamente
livres e não são oneradas por estados assistencialistas de estilo
ocidental.

    Dentre todos os desafios para a adoção de um estado de bem-estar social, devemos nos atentar para o fato de que nem todos os países nórdicos possuem características facilmente replicáveis. A Noruega constitui um exemplo bastante sui generis, devido ao fato
de 22% de seu PIB se dever ao petróleo e ao gás, poucos pontos
percentuais abaixo da Venezuela. Então, a menos que a proposta dos
progressistas dependa de o país boiar sobre petróleo, o exemplo da
Noruega não é replicável.
    O Brasil tem esse recurso natural, é verdade, mas em faturamento anual
por empregado, a Petrobrás é a penúltima no mundo. Em 2016, enquanto a
Petrobras pagava salários a 315.000 funcionários, entre efetivos
(84.000) e terceirizados (231.000), a Shell, a Exxon e a British
Petroleum (BP), juntas, empregavam 262.000 pessoas, 53.000 a menos que
a brasileira, com lucros somando US$ 58,6 bilhões. A Petrobras passou
por quatro anos de prejuízos seguidos;

    Outra circunstância regularmente substimada é o irrevogável fato de que vivemos em um mundo de escassez: o
dinheiro para bancar todos os gastos estatais advém da tributação de
bens e serviços produzidos pela economia privada. E estes, por
definição, são escassos. Consequentemente, dado que a tributação
incide sobre bens e serviços escassos, sua capacidade de arrecadação
é, por definição, limitada. Se os gastos crescerem mais do que essa
capacidade de arrecadação, o dinheiro irá literalmente acabar.
    Sim, isso parece ser um "truísmo óbvio" (pleonasmo intencional), mas é
necessário sempre repeti-lo, pois ainda há quem negue a incontestável
realidade da escassez.
    No Brasil atual, o dinheiro para bancar os crescentes gastos do
governo literalmente acabou. E por dois motivos:
1) a quantidade de pessoas aptas a serem continuamente tributadas
parou de crescer;
2) as que ainda estão aptas a ser tributadas são pouco produtivas. A
produtividade de um brasileiro equivale a 25% da produtividade de um
americano, o que significa que um brasileiro leva uma hora para
produzir o mesmo bem ou serviço que um americano produz em 15 minutos.
Quem produz menos por hora tem renda menor. Quem tem renda menor tem
menos capacidade de ser crescentemente tributado.

    A raiz da riqueza dos países nórdicos também pode ser rastreada a um
fundamento de origem ética, que Max Weber chamou de ética protestante
e o espírito do capitalismo.
    Dado curioso: Aparentemente, pode-se tirar os escandinavos da
Escandinávia, mas não a Escandinávia dos escandinavos. Há um legado
cultural que explica parte desse sucesso: uma cultura de confiança
social, de relativa ausência de corrupção, e uma ética de trabalho
luterana. Guardadas as devidas proporções, os brasileiros convivem com um exemplo bastante próximo quando se trata da imigração japonesa.
    Americanos de ascendência sueca são 39% mais produtivos, em termos per
capita, do que os suecos que permaneceram na Suécia (para os
finlandeses em mesma situação, este valor chega a 47%; para os
dinamarqueses, 37%).  Mais: entre os americanos de origem sueca, a
taxa de pobreza é menor do que a taxa de pobreza de seus conterrâneos
na Suécia. Recorda que nossa produtividade é 1/4 da americana? Pois
bem, nesse aspecto também os nórdicos nos fazem comer poeira. Tem alguém surpreso? Eu não.
    Em termos mais abrangentes, a renda dos escandinavos que vivem nos EUA é
de cerca de 20% acima da média americana, e a taxa de pobreza, cerca
de metade da média americana.

Desafio: vamos replicar no Brasil uma ética luterana que soma trabalho,
frugalidade, poupança e crescimento de capital? Se houver uma receita
para isso quero ser o primeiro a saber.

    A social-democracia no Brasil ainda é impossível.)
    Apenas um país que já enriqueceu, que já acumulou o capital
necessário, e que já alcançou a produtividade suficiente pode se dar
ao luxo de adotar abrangentes políticas assistencialistas.
    Mas, ainda assim, tais políticas cobram um preço. Por mais alta que
seja sua produtividade, não dá para continuar crescendo como antes.
    Curiosamente, o assistencialismo encerra esse paradoxo: países pobres
não tem uma população rica e produtiva o suficiente para bancar
assistencialismo, ao passo em que o assistencialismo só é praticável
em países em que ele é menos necessário.
    Os países escandinavos primeiro enriqueceram (o fato de não terem
participado de nenhuma guerra ajudou bastante) e só depois adotaram um
estado assistencialista. E com um detalhe inevitável: após essa
adoção, a criação de riqueza estagnou.

    Agora existem provas de que a Suécia, mesmo em termos das estatísticas
do próprio governo, não é tudo o que se imagina; e que, na realidade,
não vivenciou nenhum crescimento econômico real (ao menos em termos de
empregos reais, os quais deveriam ser de óbvio interesse para os
keynesianos) ao longo de mais de 50 anos.
    Em um artigo (infelizmente disponível apenas em sueco) publicado em
2009 no periódico Ekonomisk Debatt, da Associação de Economia Sueca,
os economistas Bjuggren e Johansson, do Ratio Institute, mostram a
triste verdade.  Baseando-se em dados públicos divulgados pela agência
governamental Estatísticas Suecas ("SCB" em sueco, um acrônimo para
Bureau Central de Estatísticas) e utilizando um novo sistema de
classificação para designar o tipo de propriedade das empresas, eles
descobriram que não houve absolutamente nenhum emprego criado no setor
privado de 1950 a 2005.
    Sim, você leu corretamente: não houve nenhum aumento líquido no número
de empregos no setor privado na Suécia durante um período de 55 anos.
Em outras palavras, em um período que começou cinco anos após o fim da
Segunda Guerra Mundial, a economia sueca ficou completamente
estagnada.
    Isso, por sua vez, explica por que o governo sueco não foi capaz de
estimular continuamente o estado assistencialista desde a década de
1970 até o início da década de 1990.  Como não houve guerras
internacionais nesse período — algo que estimula, ao menos
temporariamente, as exportações de um país que não foi afetado —, o
setor exportador encolheu; e como não houve um genuíno crescimento
global no qual pegar carona, o blefe não se sustentou e a realidade
logo se impôs.

Reformas de diminuição do estado salvaram a Suécia.

    De 1973 a 1994, 21 anos, o PIB per capita da Suécia foi de 17.000 para
22.000 dólares.
Em 1994, o governo implementou várias reformas liberais, a saber:

"In 1994 the government budget deficit exceeded 15% of GDP. The
response of the government was to cut spending and institute a
multitude of reforms to improve Sweden's competitiveness. When the
international economic outlook improved combined with a rapid growth
in the IT sector, which Sweden was well positioned to capitalize on,
the country was able to emerge from the crisis."

    Os resultados se fizeram sentir: O PIB per capita foi de 23.000 para
33.000 dólares.
    O relativo sucesso da Suécia não tem nada a ver com estímulos
governamentais, aumentos nos benefícios assistencialistas ou
estatizações do setor privado.  Trata-se do resultado direto de um
resoluto e politicamente doloroso programa implementado durante um
período de mais de 15 anos, com o objetivo de limpar a bagunça de
quase 50 anos de políticas keynesianas que chegaram perto de quebrar
uma nação de mil anos de idade.


    Outro ponto flagrantemente ignorado no contexto dos países nórdicos é
a liberdade econômica. Ao passo que serviços públicos nórdicos são
sempre celebrados mundo a fora, o fato dos países escandinavos
ocuparem as melhores posições nos rankings de liberdade é sumariamente
ignorado.
    A Suécia contrabalança seu estado assistencialista implantando
políticas extremamente pró-mercado em outras áreas da economia. O ambiente empreendedorial da Suécia é extremamente desregulamentado e
o país é um dos mais abertos do mundo para o livre comércio. Lá o
gerador de riqueza não é o inimigo público número 1. Como
consequência, se analisamos fatores como livre comércio,
desregulamentação, política monetária e direitos de propriedade, a
Suécia é o oitavo país mais liberal do mundo segundo Fraser Institute.
    Agora vejamos alguns dados comparativos:

Escandinávia versus Brasil.

    Você demora no máximo 6 dias para abrir um negócio (contra mais de 130
no Brasil); as tarifas de importação estão na casa de 1,3%, na média
(7,9% no Brasil); o imposto de renda de pessoa jurídica é de 25% (34%
no Brasil); o investimento estrangeiro é liberado (no Brasil, é cheio
de restrições); os direitos de propriedade são absolutos (no Brasil, a
propriedade atenderá sua função social, o que vai permitir que o
interesse de políticos e burocratas possa intervir na propriedade com
desapropriações, encampações e outra dúzia de institutos que lotam os
manuais de direito administrativo); e, horror dos horrores, o mercado
de trabalho é extremamente desregulamentado. Não apenas pode-se
contratar sem burocracias, como também é possível demitir sem qualquer
justificativa e sem qualquer custo. E tudo com o apoio dos sindicatos,
pois eles sabem que tal política reduz o desemprego. Estrovengas como
a CLT (inventada por Mussolini e rapidamente copiada por Getulio
Vargas) nunca seriam levadas a sério por ali.
    Na Dinamarca, por exemplo, não há nem sequer indenização por demissão
(mesmo sem justa causa) e nem leis trabalhistas que restrinjam horas
extras (empregado e patrão acordam voluntariamente as horas de
trabalho), o que permite que as empresas dinamarquesas operem 24 horas
por dia, 365 dias por ano.
    E mais: o empresário não paga absolutamente nada em termos de
previdência social do empregado.  Tudo fica por conta do próprio
empregado (que paga 8%).  Eventuais negociações coletivas entre
sindicatos e empresas não demoram menos do que 30 anos para a maioria
dos assuntos relevantes (como estipular um salário-base para uma
categoria ou as horas de trabalho semanais).  Com efeito, 25% dos
trabalhadores dinamarqueses não estão cobertos por nenhum acordo
coletivo, sendo livres para negociar face a face com o empresário. Em suma: a Dinamarca desfruta pleno emprego graças a um mercado de
trabalho altamente liberalizado, em que os custos de contratar são
baixos e os custos de demitir são quase nulos.  O mercado de trabalho
dinamarquês é o quinto mais desregulamentado do mundo, perdendo apenas
para EUA, Hong Kong, Cingapura e Brunei.
    Uma economia livre é aquela em que há respeito à propriedade privada,
liberdade de empreendimento, pouca burocracia, desregulamentação
econômica, moeda forte, ausência de inflação, leis confiáveis e
estáveis, arcabouço jurídico sensato e independente, segurança
jurídica, e a garantia de que as pessoas poderão manter os frutos de
seu trabalho, isto é, as pessoas não serão confiscadas e poderão
manter seus lucros. Um bom exemplo de um país assim é a Suíça.

    Já uma economia dirigida é o oposto de tudo isso. Um bom exemplo seria
a Coréia do Norte, todos os países africanos, e vários da América
Latina.
    A disparidade é nítida para qualquer que se interesse por visitar
índices de liberdade econômica como o Doing Business. O fato dos
países mais livres serem os mais ricos e com melhor qualidade de vida
não é mera coincidência... basta ver o topo do ranking, (os países
mais livres e mais ricos), e os países na lanterna, que são os mais
fechados e mais pobres, como não poderia deixar de ser.
    Embora o primeiro modelo não seja garantia de enriquecimento -- pois o
enriquecimento vai depender da amplitude da divisão do trabalho, da
poupança, da acumulação de capital e da capacidade intelectual da
população --, o segundo modelo é certeza de pobreza.

    Retomando os exemplos, há algo de muito interessante sobre a política
suíça: você simplesmente nunca ouviu falar de nenhum político suíço em
nenhum momento da história.
    Você certamente conhece nomes — atuais ou do passado — de políticos da
França, da Alemanha, do Reino Unido, da Itália, da Áustria, de
Portugal, da Espanha, da China, do Japão, e dos principais países da
América Latina. Uma simples pesquisa no Google irá lhe apresentar toda
a equipe do atual chefe de governo de cada um desses países.
Mas você absolutamente nada sabe sobre a política da Suíça. Você
simplesmente nunca ouviu falar de nenhum político da Suíça, nem atual
nem do passado. Com efeito, você sequer sabe ao certo qual é o sistema
político vigente na Suíça.
    (Há uma piada antiga que diz que não há corrupção na Suíça porque as
pessoas simplesmente não sabem onde estão os políticos que elas devem
tentar subornar para conseguir favores.)
    A questão é: como é que um país tão famoso (e tão invejado) no cenário
internacional possui um executivo totalmente desconhecido?
Os suíços se opuseram a um governo central desde o início de sua história
O começo da confederação suíça nunca esteve relacionado à busca pelo poder.
Do século XIV em diante, enquanto toda a Europa estava dilacerada ou
por conflitos territoriais ou por conflitos religiosos (como Guerra
dos Trinta Anos, de 1618 a 1648), os originariamente 8 cantões da
Antiga Confederação Helvética eram um microcosmo de paz e
prosperidade.
    Sim, dentro desses cantões também havia diferenças religiosas, mas sua
população, em vez de guerrear entre si, preferiu um acordo: fizeram um
pacto de mútua assistência militar para proteger a neutralidade da
região e sua paz.
    O Sacro Império Romano-Germânico havia concedido a essa comunidade de
cantões a imediatidade imperial, o que significava que os cantões
estavam livres do domínio do Império (eram autônomos) ao mesmo tempo
em que faziam parte dele. Considerando-se que as realezas européias
extraíam volumosas quantias de impostos de seus súditos para financiar
suas guerras que duravam décadas, ser um suíço àquela época era
comparável a viver no primeiro genuíno paraíso fiscal da história.
    Mais ainda: por qualquer ângulo que se olhe, as seguidas destruições
que ocorriam em toda a Europa (estado fazendo estatice) faziam com que
as eventuais diferenças que havia entre os cantões suíços parecessem
totalmente insignificantes.
    Posteriormente, as diferenças religiosas começaram a crescer também na
Suíça, gerando conflitos entre os cantões católicos e os cantões
protestantes. Cada um desses conflitos teve seus vencedores, mas,
mesmo assim, nenhum deles conseguiu impor uma verdadeira mudança de
regime, uma vez que os cantões eram diversos demais para serem
governados centralizadamente. Os governos cantonais simplesmente se
recusavam a cooperar entre si. Um governo cantonal não seguia ordens
de nenhum outro governo cantonal. A única política com a qual todas
concordavam era a política externa de neutralidade, a qual acabou por
poupar o país de todas as guerras.
    Já cotejando com o exemplo brasileiro, por aqui se acredita piamente
em um governo centralizado onde supostamente um órgão parlamentar vai
representar simultaneamente os interesses de seringueiros do Acre,
pecuaristas mineiros, petroleiros do RJ e metalúrgicos do ABC... cada
qual com seu sotaque e componente cultural distinto. Ninguém conseguiu
pacificar os interesses de tão heterogênea população nos últimos
séculos, e cada grupo promoveu seu próprio golpe afim de ocupar o
cobiçado poder central, o qual sequer deveria existir.

    Voltando ao exemplo, o presidente da Suíça não tem praticamente nenhum
espaço nas discussões políticas e econômicas que ocorrem no país.
Portanto, se você não sabia quem é o presidente da Suíça, não se
preocupe; vários suíços também não sabem.

O localismo funciona na Suíça

    Os cantões suíços são os responsáveis pelo equilíbrio da política: os
cantões conservadores são todos aqueles que estão fora das grandes
cidades, como Zurique, Genebra e Berna (a capital). A população das
comunidades menores rejeita a ideia de ter um governo distante e
centralizado em uma capital nacional. Como resultado, os suíços
continuamente rejeitam propostas progressistas, como a de abolir a
energia nuclear e a de usufruir uma renda garantida de 2,5 mil francos
suíços mensais para cada cidadão. Mais de 75% dos suíços foram contra
a medida.
    Essa propensão ao localismo seria consideravelmente mais difícil não
fosse o sistema de democracia direta, muito comum na confederação.
Todas as leis federais são submetidas às quatro etapas abaixo:
1. Um projeto de lei é preparado pelos especialistas na administração federal.
2. Esse projeto de lei é apresentado para um grande número de pessoas
por meio de uma pesquisa de opinião: governos cantonais, partidos
políticos, ONGs, associações da sociedade civil podem comentar sobre o
projeto de lei e propor mudanças.
3. O resultado é apresentado a comissões parlamentares dedicadas ao
assunto nas duas câmaras do parlamento federal, é discutido em
detalhes a portas fechadas e finalmente é debatido em sessões públicos
em ambas as câmaras do parlamento.
4. O eleitorado possui o poder final de veto sobre o projeto de lei.
Se qualquer pessoa conseguir encontrar, em três meses, 50.000 cidadãos
dispostos a assinar uma petição pedindo um referendo sobre esse
projeto de lei, um referendo será marcado. Para que um referendo seja
aprovado, o projeto de lei precisa ser apoiado apenas pela maioria do
eleitorado nacional, e não pela maioria dos cantões. É comum a Suíça
fazer mais de dez referendos em um determinado ano.
    Tais referendos explicam por que o Conselho Federal é formado por
partidos da situação e da oposição: se não houver consenso, a oposição
pode usar a iniciativa popular (referendo) para derrubar qualquer
decisão tomada em nível nacional.
    O fato é que, entre 1893 e 2014, apenas 22 de 192 iniciativas
populares foram aprovadas pelos eleitores.  A reticência com que essas
iniciativas são recebidas pelos suíços indica prudência da parte dos
eleitores e aversão a leis criadas centralizadamente.
    E no Brasil? No Brasil tivemos uma dúzia de constituições desde o
império entre as promulgadas e as outorgadas, e a última parece uma
colcha de retalhos por conta das emendas constitucionais em cima de
emendas constitucionais, chegando até a culminar no curioso fenômeno
das emendas constitucionais inconstitucionais. Por aqui em 2019 o STF
ainda não tinha chegado a um veredito sobre a constitucionalidade do
processo que levou ao plano real. Segurança jurídica pra quê?

    Então o resumo até aqui nos permite constatar que:
* os países nórdicos tem diversas especificidades, uma população muito
menor culturalmente homogênea, além de territórios bem menos extensos
que o nosso. A cultura, a ética e a moral marcadamente luteranas não
são componentes que se possa replicar com um control c control v;
* Conforme o que também acontece com japoneses, a cultura dos
escandinavos acompanha os escandinavos mesmo fora da Europa, o que
resulta que eles sejam uma das populações mais ricas e produtivas,
mesmo nas Américas;
* Alguns exemplos nórdicos são de replicação ainda mais difícil por
serem países que literalmente boiam em petróleo... (o RJ mesmo boiando
em petróleo nos mostrou o que acontece quando gestores brasileiros
estão em posse de tal recurso);
* Os gastos sempre crescentes dos estados norte europeus resulta em
uma armadilha demográfica, mostrando que mesmo em contextos onde as
variáveis ajudam o assistencialismo, este não é sustentável a longo
prazo;
* Os países nórdicos enriqueceram partindo de um modelo econômico
livre, acumulando riqueza que possibilitou a aparição de uma máquina
estatal custosa... já o pensamento brasileiro que inverte causa e
consequência diz que basta ter uma máquina estatal inchada para
virarmos a Dinamarca;
* Se você tem um estado cuidando de escolas, universidades, saúde,
aposentadorias, pensões, esportes, cultura, lazer, filmes nacionais,
teatro, subsídios tanto para pequenos agricultores quanto para
megaempresários, benefícios assistencialistas de todos os tipos
(Bolsa-Família, BPC (ou LOAS) etc.), estradas, portos, aeroportos,
Correios, eletricidade e petróleo, e criando uma crescente oferta de
empregos públicos pagando altos salários, esse arranjo só irá durar
enquanto o número de pessoas produtivas — isto é, aptas a serem
tributadas — for crescente.
* Defender que Brasília possa se apropriar de cada vez mais recursos
dos indivíduos significa defender um sistema onde teoricamente todos
os indivíduos são burros (talvez um pensamento derivado de uma vaidade
patológica), e por que as pessoas são burras elas precisam ter seus
bens confiscados e geridos por Sarney, Calheiros, Collor e ACM, que
nesse sistema hipotético não só são bons gestores como também pessoas
que você confiaria para guardar sua carteira;
* Um projeto de bem estar brasileiro já é praticado, e o Brasil
estoura o orçamento para financiar desde propagandas políticas na TV à
acessores para ex-presidentes, fora estatais que usam dinheiro público para
fabricar camisinhas no Acre ou bolsas para pesquisa de comportamentos
sexuais nos banheiros públicos. Será que os indivíduos devem ter uma
parte ainda maior da sua renda confiscada para sustentar um tal
sistema? A lógica faz crer que não;
* enfim, diferentemente do Brasil, há muito mais liberdade para
empreender na Escandinávia, o que por hora ainda garante uma breve
sobrevida aos famosos gastos governamentais. Não obstante, há
certamente práticas salutares desses países a serem tentadas no Brasil
a começar por oferecer um ambiente econômico e jurídico que não fosse hostil
com a formação de riqueza;
* Sem os fatores que permitem os nórdicos serem os nórdicos, a última
coisa que nos faria ser tão ricos quanto eles seria gastar como A
Suécia ou a Noruega, países com massivo capital acumulado ou que boiam
em petróleo. Aliás, nem precisamos ir muito longe pra descobrir qual
fim leva um país pobre e populista onde autocratas gastam o dinheiro do
petróleo como se não houvesse amanhã.

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