Tuesday, June 4, 2019

A teoria do direito divino dos reis e a ameaça dos patinetes assassinos.

    Recentemente uma polêmica se instalou nas paragens paulistanas graças à desnecessária interferência do excelentíssimo senhor Bruno Covas nas interações da vida privada. Trata-se de uma medida intervencionista que visa tolher empresas e indivíduos de deliberar livremente sobre a utilização de inofensivos patinetes para circulação nas ruas de São Paulo.
    Não obstante todas as legislações federais e de todo tipo sobre trânsito e direitos de reparação na esfera civil, nosso sempre preocupado burocrata crê piamente que na ausência de uma burocracia local nossos usuários de patinetes transformarão a capital do estado em um calamitoso cenário de Mad Max.
    Dados os planos de Covas de restabelecer a paz na galáxia, mais de 500 patinetes foram apreendidos no primeiro dia de vigor da normatização, qual normatização também resultou em efeitos nocivos para empresas que optaram por ganhar dinheiro honesto atendendo pacificamente a demanda dos consumidores. Uma dessas empresas inclusive chegou a questionar judicialmente as novas restrições, sofrendo por isso manifesta retaliação do déspota Tucano. A referida empresa foi proibida de participar da reunião institucional com as demais empresas que estão atuando ou pretendem atuar nesse setor.
    Tais acontecimentos não surpreendem exatamente ninguém que esteja familiarizado com as práticas políticas vigentes em todas as unidades da federação. Nos últimos dias, por exemplo, noticiou-se um padrão de perseguição do governo paulista contra servidores que denunciavam irregularidades na administração, ato este que está totalmente divorciado da opção manifestada pela sociedade brasileira que evidencia, principalmente a partir dos resultados nas urnas, uma completa repulsa pela corrupção e práticas assemelhadas da velha política.
    Falando em velha política, nos permitimos o uso desse termo mais ou menos ambíguo graças à atitude autocrata do excelentíssimo senhor Bruno Covas. Suas declarações estão em total consonância com o sentimento político dos coronéis e outros projetos de déspotas que creem piamente serem dotados de uma iluminação especial que lhes confere o dom de julgar o que é melhor para cada um dos indivíduos, digo, súditos.

"Governar é como cuidar do filho adolescente. Temos que fazer o que é bom para ele, não o que ele pede. Ele vai reclamar, mas um dia vai entender e reconhecer". COVAS, Bruno.

    Há uma completa desnecessidade de refutar as declarações da Vossa magnificência Bruno Covas. Suas declarações encerram várias presunções que são totalmente vazias de fundamento. Veja-se o que se extrai:

* há uma classe de pessoas manifestamente inferiores (infantes de 20 ou 40 anos) que necessita ser tutelada por outra classe de indivíduos sábios e maduros, nesse caso o prefeito;
* há uma classe de pessoas que tem as qualidades necessárias para julgar entre o bem e o mal e tomar as decisões no lugar de terceiros indivíduos, mesmo a revelia destes, dado que são seres inferiores cuja capacidade de decisão deve ser desconsiderada;
* eu, você e quase todo mundo pertence a classe dos adolescentes curatelados. Bruno Covas pertence a uma classe ontológica distinta, formada por santos e sábios;
* o critério para definir que Bruno Covas tem mais direitos do que eu sobre minha vida particular é que ele participou de uma chapa de um prefeito anterior que dispensou o cargo em prol de viver outras aventuras;
* logo, como a ocupação ou não de cargos eletivos define quem é o sábio tutor e quem é o tolo tutelado, então bastaria que Tiririca fosse o chefe do executivo de qualquer ente federado para que ele automaticamente fosse elevado a um nível moral e de sabedoria de um Aristótles;
* obviamente todos os outros seriam umas bestas-fera, inclusive os ex-prefeitos, governadores e presidentes que por não ocuparem mais o estamento burocrático foram rebaixados de um Aristóteles para adolescentes pueris cujo inteléctuo já não basta para apreciar a decisão de como e quando subir em um patinete.
* portanto, para ter sua estatura moral e intelectual reconhecida, e para que suas decisões passem a valer tanto para você como para milhões de indivíduos, você precisará ganhar alguns votos, e talvez já devesse começar a pensar em um marqueteiro.

    O que impressiona não é que hajam sujeitos como Bruno Covas. De fato desde o começo da humanidade houve sujeitos que julgaram serem parte da classe dos anjos ou dos deuses. O que impressiona é que hajam pessoas conformadas e talvez gratas pela existência de figuras pastorais cujo cajado salvará as ovelhas de ameaças como saleiros malignos presentes em mesas de restaurantes.    Os acadêmicos pós iluministas posam com ar de superioridade desdenhando dos povos que viveram debaixo da teoria do direito divino dos reis. Fariam bem tais acadêmicos em investigar se o sentimento que ainda perdura na sustentação do estado moderno não é psicologicamente o mesmo...

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