Tuesday, October 1, 2019

Joshua Norton - o primeiro e último imperador libertário

No dia 08 de janeiro de 1880, em São Francisco, Califórnia, morreu Joshua Abraham Norton, o homem conhecido como primeiro e único imperador dos Estados Unidos.
Seu corpo foi transportado por uma carruagem e cerca de 30 mil pessoas acompanharam o enterro. Até hoje, sua lápide apresenta os seguintes dizeres: Norton I, imperador dos Estados Unidos.
Mas essa não é a história americana que te contaram e você deve estar se perguntando: afinal, como poderiam os Estados Unidos ter um imperador, quando no século XIX eles já eram uma república?
Então senta, que lá vem a história.
A nossa jornada tem início em 1818, na Inglaterra, quando nasce Joshua Abraham Norton.
De uma família abastada, Norton acabou por imigrar para os Estados Unidos em busca de oportunidades de negócios. Durante alguns anos ele conseguiu administrar bem suas finanças, mas em 1852 uma crise no preço do arroz seria sua ruína.
Acontece que ele buscou negociar uma expressiva quantidade de arroz, apostando na alta dos preços por conta da escassez. Todavia com a chegada de seguidos carregamentos de arroz na região, o preço caiu de forma estrondosa, arruinando as finanças e possivelmente a sanidade de Norton.
Sete anos depois, Joshua Norton apareceu na sede do jornal San Francisco Bulletin portando uma declaração para que fosse publicada. Nela, Joshua se declara Norton I, imperador dos Estados Unidos, convocando as autoridades para a cerimônia de sua coroação.
Desse dia em diante, Norton I passou a andar pela cidade com um uniforme de imperador, um chapéu de plumas, uma bengala e as vezes uma espada. Sua rotina consistia em acordar cedo e inspecionar o funcionamento da cidade, desde a limpeza municipal até o funcionamento dos bondes.
Já os seus decretos eram um show a parte, com um conteúdo que seria apreciado por muitos libertários. Suas primeiras proclamações determinavam o fechamento do congresso nacional e a extinção dos partidos democrata e republicano, que Norton considerava serem um antro de corrupção.
Durante a guerra de secessão, Norton chegou a encaminhar decretos para ambos os lados exigindo o fim das hostilidades e uma saída pacífica para o conflito.
O imperador Norton cativou profundamente os habitantes de São Francisco, sendo respeitado e até aclamado pelo povo local.
Os comerciantes ofereciam refeições para o imperador, vagas gratuitas no transporte ferroviário e até mesmo entradas para espetáculos de teatro.
Mas Norton estava quebrado e não exercia atividades remuneradas. Então, para cobrir despesas como o quarto de uma simples hospedaria, Norton passou a emitir títulos do império, ao custo de cinquenta centavos, em que ele prometia pagar ao portador o dinheiro corrigido na data do vencimento.
Ironicamente, quando os títulos já estavam para vencer, e sabendo que não teria dinheiro para pagar, Norton emitiu novos títulos com novas promessas, fazendo uma pedalada fiscal digna dos bancos centrais modernos.
Mas a verdade era que ninguém esperava receber pagamento pelos títulos emitidos por Norton. As pessoas trocavam livremente o seu dinheiro pelos papeis do imperador somente com o desejo de assegurar que ele tivesse suas necessidades supridas.
Na verdade, esses papeis acabaram por se tornar artigos colecionáveis, e mesmo hoje eles chegam a ser negociados por uma quantia considerável.
O apoio que o imperador recebia dos comerciantes e da população local se traduzia em prosperidade para a cidade, que começou a atrair turistas que queriam tirar fotografias e ouvir o que o homem tinha a dizer.
Norton tinha ideias ambiciosas que só seriam realizadas quase um século depois. Ele até mesmo defendeu que os negros tivessem direito a frequentar escolas públicas e usufruir do sistema de transportes, precedendo em quase cem anos as conquistas de Martin Luther king.
Durante seus 21 anos de reinado, Norton continuou a escrever decretos e a enviar correspondências para as autoridades políticas. Em uma delas, ele ofereceu casar-se com a rainha Vitória e unificar novamente os dois reinos.
Muito se discute se o próprio Norton se levava a sério, se era louco, ou se só fazia das suas peripécias para ter um meio de vida.
Fosse qual fosse o caso, a população via em Norton mais do que um entretenimento. Via nele um símbolo de protesto contra o governo central corrupto.
No fim das contas não é difícil saber o porque da população local simpatizar tanto com Joshua Abraham Norton. Os homens que de fato ocupam a função de rei ou cargos similares vem sujeitando a humanidade aos piores males desde tempos imemoriais.
Já Norton não detinha nenhum poder político real, mas era isso que o tornava bem visto. Por ser quem era, a população de forma voluntária o tratava como rei e o cumprimentava nas ruas com toda a cerimônia. E o imperador, é claro, retribuía a gentileza, até distribuindo títulos de nobreza, principalmente para as crianças, que ele gostava bastante.
Os jornais declaravam o seguinte sobre Norton I:
“Norton foi em seu tempo um respeitável comerciante, e desde que ele vestiu o Manto Imperial ele não derramou nenhum sangue, não roubou ninguém e não pilhou país nenhum, o que é mais do que pode ser dito de qualquer outro nesse ramo.”
Na cultura pop, Norton foi retratado em um quadrinho do personagem Sandman, da DC Comics. Nessa história, a humanidade é influenciada por sete entidades que correspondem a algum aspecto da existência, conhecidos como os sete perpétuos.
Nesse arco, após Norton ir a falência, a entidade desespero desafia outra entidade, o sonho, a salvar aquele pobre homem.
A entidade aceita, e dá a Norton um propósito: o sonho de ser o imperador dos Estados Unidos.
Assim, Norton passa a ser o louco que acreditava ser o imperador dos estados unidos, mas foi essa loucura que o manteve são.
Ainda assim, mesmo em uma HQ, a morte era o destino que esperava Norton.
A entidade morte, um dos perpétuos de Sandman, veio também para Norton e o acompanhou até a vida após a morte, observando que de todos os imperadores, rainhas e reis do mundo que ela tinha tomado, ela gostava mais dele.
Essa história é de autoria do célebre Neil Gaiman, retratada no arco espelhos distantes, cuja leitura é mais que recomendada.
De toda essa história, fica aquele sentimento indescritível de que seria muito melhor que os imperadores e reis fossem realmente como Joshua Norton, um homem que ninguém pode acusar de violar os direitos individuais de terceiros.
Mas, quem sabe no futuro, todos os mandatários estatais não venham ser de fato como Joshua Norton?
Se nossas estimativas estiverem corretas, em breve o estado poderá estar impossibilitado de ultrapassar as barreiras de privacidade das tecnologias descentralizadas, impedindo o confisco de bens na forma de tributos.
Então, talvez o imperador Norton cumpra um propósito quase profético, prefigurando que, sem o poder de impor seus próprios decretos, os políticos muito em breve estarão fadados a tornarem-se meras curiosidades turísticas vestidas com um chapéu espalhafatoso...
Esse sem sombra de dúvidas é um sonho digno de ser sonhado.
 
http://emperornortontrust.org/emperor/life
https://sandman.fandom.com/wiki/Norton_I
https://contraditorium.com/2018/08/16/o-rei-dos-malucos-beleza-joshua-norton-imperador-dos-estados-unidos/
http://mundotentacular.blogspot.com/2019/07/norton-i-vida-e-o-reinado-do-primeiro-e.html
https://odisseialiteraria.com/norton-i-america-s-first-emperor
https://oblogtextaculos.wordpress.com/2009/09/19/norton-1-o-imperador-dos-estados-unidos/
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/joshua-norton-comica-trajetoria-do-primeiro-e-unico-imperador-dos-estados-unidos.phtml
https://history.uol.com.br/noticias/os-estados-unidos-ja-tiveram-um-imperador

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