Na conclusão do mês de maio tivemos uma série de eventos não muito palatáveis para o presidente Lula e sua base aliada. No espaço de poucos dias veio à tona uma nova rodada de pesquisas mostrando a queda na popularidade do atual presidente, bem como diversos embates entre planalto e congresso que terminaram em vitória para o legislativo, com a derrubada de diversos vetos presidenciais.
A frágil relação entre executivo e legislativo não é exatamente uma novidade. Nos primeiros meses do corrente ano o presidente da Câmara Arthur Lira ganhou as manchetes criticando a postura política do governo central e sua falta de articulação com os congressistas. E embora a relação entre Lula e Lira parecesse estar evoluindo, os resultados de maio deixam claro que o problema permanece.
Em um breve retrospecto, podemos constatar que o primeiro ano de Lula apresentou o mesmo tipo de dificuldade, já que em 2023 mais da metade dos seus vetos também foram rejeitados, parcial ou totalmente.
A situação gera algumas comparações, tanto com os antigos governos do petista, como com seu antecessor e desafeto.
Um referencial da antiga força de Lula pode ser ilustrado com um pitoresco ato de 2007, onde o DEM (partido de oposição) ironizou com um bolo a edição de trezentas medidas provisórias enviadas ao legislativo desde que Lula chegou ao poder em 2003. Na época, o partido alegou que 95% do tempo de discussões do congresso era tomado pelas medidas provisórias do planalto.
Em contrapartida, o mandato do ex-presidente Bolsonaro ficou conhecido por sofrer expressiva resistência do congresso, de modo a perder diversas vezes no embate dos vetos presidenciais, sendo proclamado como o pior presidente em matéria de articulação.
Para quem olhava para o desempenho do governo Lula 2 em comparação com o governo Bolsonaro, a impressão que se tinha era de que um conseguia articular com maestria, ao passo que o outro parecia um elefante numa loja de cristais. Não admira, portanto, que muitos preferissem a calmaria de 2007.
Contudo, ao menos no que concerne ao relacionamento de Lula 3 com o congresso, a melhoria em relação a Jair Bolsonaro já não parece tão nítida...
Isso nos leva novamente à questão das pesquisas de popularidade. Além de ver diminuir sua aprovação entre o eleitorado, hoje já não são poucos que colocam o desempenho de Lula no mesmo nível de rejeição de seu antecessor. Além disso, tem-se a impressão de que um tom mais crítico por parte da imprensa veio a surgir quase como que de forma concomitante aos eventos recentes...
Então, o que mudou?
Para mim, ao menos três fatores mudaram nos últimos vinte anos e que comprometeram a efetividade da estratégia lulista.
Primeiro: a direita mudou.
Em anos anteriores, parte do discurso progressista imputava ao PSDB a alcunha de representante da direita, ao passo que a outra parte chamava de direita ou extrema direita tudo o que não fosse espelho.
Todavia, o que deve ser dito é que mui pequena era a identidade dos congressistas com o pensamento de direita.
Pergunta-se: acaso havia realmente uma ala no congresso de 2007 postulando teses econômicas de Milton Friedman? Havia congressistas sabidamente inspirados por John Stuart Mill? Por Mises? Hayek?
Tal não significa que agora a direita seja formada por pessoas letradas. Em realidade, provavelmente o próprio Bolsonaro sabe muito pouco (ou nada) sobre os nomes aqui citados.
Em contrapartida, essa nova leva de direitistas traz um embate realmente ideológico para dentro do congresso, de forma que ao menos para alguns, a pura e simples vantagem imediata já não basta para fazer dobrar os joelhos.
Outro fator que é responsável por parte da conjuntura atual é a internet. Com seus aplicativos de transmissão instantânea, seus blogs, plataformas de vídeo e notícias descentralizadas, hoje tornou-se uma questão de escolha seguir canais de esquerda, direita, religiosos, ateus, lúcidos ou lunáticos.
Até a última grande crise do petismo, durante o governo Dilma, as explicações para problemas no governo podiam ser rotuladas como mera intenção golpista dos donos de jornais e revistas. Já na era da descentralização, a pseudoexplicação é que as pessoas simplesmente preferem consumir fake News.
Claro que notícias falsas existem, mas o rótulo fake News já foi abusado ao extremo, a ponto de qualquer questão que desabone o governo ser imediatamente rotulada de fake News. Uma hora, é claro, esse recurso retórico cansaria.
Por fim, o último elemento que adiciona dificuldade na articulação petista é o visível abandono do pragmatismo por parte de Lula.
Nos primeiros governos, Lula negociava tanto que chegava a ser rotulado como um governante neoliberal por críticos do PSOL e outros grupos de esquerda. Hoje esses grupos com uma doutrina mais rígida já fazem parte do governo, e começam a influenciá-lo em questões sensíveis como segurança pública e nas relações com o país de Israel.
O resultado é que Lula consegue com isso agradar os militantes mais aguerridos, mas ao mesmo tempo sacrifica sua imagem junto ao eleitorado e políticos menos afeitos a tais bandeiras.
O fato é que Lula vendeu-se como a alternativa moderada e um contraponto à beligerância de Jair Bolsonaro. No segundo turno ele conseguiu consolidar essa estratégia atraindo o apoio de Simone Tebet e sabendo evitar questões de cunho ideológico, como sua aliança com a Venezuela. Na prática, porém, Lula parece pensar ter ganhado as eleições menos com o apoio de Tebet e mais com o de Guilherme Boulos.
Isso posto, é claro que não se pode resumir todo o cenário político brasileiro nestas breves linhas. Todavia, errará Lula ou qualquer outro que escolha não perceber tais nuances.